Artigo de Ricardo Gandour, jornalista e autor de
“Jornalismo em retração, poder em expansão – A segunda morte da opinião pública” (Summus Editorial),
publicado na Folha de S.Paulo│Opinião, em 25/05/2021.
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Praça pública digital achatou tempos e distâncias institucionais
A internet mexeu com as duas grandes variáveis da humanidade: o tempo e a distância. O fenômeno, ainda a ser mais e melhor estudado, tem impactos no funcionamento das instituições republicanas e da democracia. O que isso tem a ver com a fala do ex-ministro da Saúde na CPI da Covid, ao se esquivar das relações causa-efeito entre ele e o pensamento do seu chefe, dizendo tratar-se de “apenas uma posição de internet”?
A internet e seu subproduto mais dinâmico, as redes sociais, comprimiram sobremaneira o tempo institucional. Antes, ao receber um processo ou inquérito, a autoridade envolvida usufruía de um intervalo de tempo para se debruçar sobre documentos e autos e então se pronunciar pelos canais adequados. Só então as demais partes responderiam, e assim por diante. Hoje, tudo é comentado nas redes desde o primeiro minuto do jogo.Mais transparência e muito menos burocracia e morosidade, sem sombra de dúvida, mas com grandes desafios: políticas públicas são testadas em tuítes, e por vezes já se rotulam numa direção, antes de estudos e aprofundamentos.
A distância institucional foi igualmente achatada. Ruíram-se os pedestais. Qualquer pessoa tem a possibilidade de inquirir e bater boca com parlamentares, ministros e até com o presidente da República, como se todos eles estivessem na mesa ao lado do boteco da esquina. A galeria da audiência pública veio para o botequim. Também, sem nenhuma dúvida, muito mais proximidade e transparência na relação cidadão-governante e eleitor-candidato.
A comunicação direta de governantes com seus públicos não é novidade. Basta nos lembrarmos dos comícios nas praças, das caminhadas em meio ao povo e dos cafezinhos no boteco real da esquina, onde valia dizer qualquer coisa para meia dúzia de fãs ou potenciais votantes. Mas o ambiente digital levou esse contato direto às máximas possibilidades —e consequências. O cercadinho do Palácio do Planalto é, na prática, um estúdio a céu aberto para transmissões em cadeia nacional. Dado o peso do cargo, qualquer manifestação ganha na prática, pelo volume atingido, um caráter oficial. Falado e postado, só não viu ou ouviu quem não quis.
Peso do cargo, liturgia do cargo. É isso que distingue os ocupantes de postos republicanos, sejam eles eleitos ou nomeados com fé pública, dos usuários comuns. É isso, por óbvio, que lhes impõe total e máxima responsabilidade por tudo, literalmente tudo, o que é dito e transmitido na praça pública digital.
O alcance que lhes foi conferido não permite que pronunciamentos ouvidos por milhões sejam banalizados como sendo “apenas posições de internet”. Cabe a eles preservar patamares mínimos de tempos e de distâncias institucionais. Até porque também cabe a eles —eleitos pela maioria, mas governantes de todos—, zelar pela qualidade da República e da própria democracia.
Para ler na íntegra (assinantes do jornal Folha de S.Paulo ou do UOL), acesse: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/05/politicos-e-botecos-da-internet.shtml
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Conheça o livro do jornalista Ricardo Gandour:
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JORNALISMO EM RETRAÇÃO, PODER EM EXPANSÃO
A segunda morte da opinião pública
Autor: Ricardo Gandour
SUMMUS EDITORIAL
Nos últimos anos, um fenômeno comunicacional tomou conta do mundo: o uso cada vez mais intenso das redes sociais por políticos de todas as instâncias. Ao mesmo tempo, o jornalismo aprofundou crises estruturais, provocadas pela queda das receitas publicitárias, pelas novas tecnologias e pelo consequente enxugamento das redações. Que riscos tudo isso pode trazer para as democracias? Numa época em que os efeitos devastadores das chamadas fake news são cada vez mais discutidos e que se tenta desacreditar o jornalismo profissional, Ricardo Gandour analisa o cenário de forma inédita. Na esteira de uma consolidada carreira como editor e dirigente de redações, ele radiografa o enxugamento das redações, compara com o crescimento vertiginoso – e por vezes perigoso – do uso das redes por políticos e indaga, baseando-se em Habermas: estaremos vivendo a segunda morte da opinião pública? Leitura indispensável a quem se interessa pelo campo do jornalismo e da comunicação e seus impactos na democracia, e obra de referência para os estudiosos das transformações por que passa o ecossistema da informação. Prefácio de Eugenio Bucci.