Texto de Paula Rodrigues, publicado originalmente no Ecoa │UOL, em 24/08/2022
Há 140 anos, o Brasil perdia um dos maiores defensores da liberdade que o país já conheceu. “Jamais esta capital [São Paulo], quiçá muitas outras, viu mais imponente e espontânea manifestação de dor e profunda saudade de uma população inteira para com um cidadão”, escrevia o jornal A Província de São Paulo, dando dimensão do tamanho da perda.
Era Luiz Gonzaga Pinto da Gama, mais conhecido como Luiz Gama: o menino que só aprendeu a ler e escrever aos 17 anos; que nasceu livre e foi vendido como escravizado pelo próprio pai; um importante jornalista e escritor de muitos artigos, poemas e livros celebrando sua cor e denunciando o racismo que tantos sofriam por causa dela e o advogado que aprendeu sobre as leis sozinho e ajudou a libertar mais de 500 pessoas negras escravizadas.
Considerado um dos maiores abolicionistas, tendo dedicado a vida não só a luta pela libertação de negros e negras, como pelo fim absoluto da escravidão, o legado deixado por Gama hoje é um farol a ser seguido.
Hoje, Ecoa separou curiosidades sobre esta figura histórica para você conhecer um pouco mais quem era Luiz Gama:
Aprendeu sozinho sobre advocacia
Luiz Gama nasceu em Salvador, no ano de 1830. Era filho de um português branco e rico e de uma ex-escravizada que àquela época já estava livre. Pela lei, filho de mãe livre, também era livre, mas aos 10 anos, seu pai o vendeu como escravizado.
Assim, Gama veio parar em São Paulo, onde permaneceu nessas condições até os 18 anos, quando conseguiu reunir provas de que era ilegal mantê-lo como escravizado. Então, fugiu.
Um ano antes da fuga, aprendeu a ler e escrever, a partir desse momento se tornou um estudioso das letras. E em 1850 decidiu se candidatar ao curso de Direito do Largo de São Francisco – sendo recusado por ser negro. Mesmo assim, estudioso que era, aprendeu sozinho a advogar.
Legalmente, libertou mais de 500 escravizados
Um de seus feitos mais marcantes e importantes para a história foi o uso da advocacia para ajudar na libertação de pessoas escravizadas. Em uma época em que a escravidão já estava abolida em outros países, o Brasil até dava sinais de que começaria a mudar com a proibição do tráfico transatlântico, mas a verdade era que, por baixo dos tapetes, milhares de negros africanos continuavam sendo sequestrados e trazidos a força para serem escravizados aqui – o que já era ilegal até para a época.
Luiz Gama, no entanto, estava atento e disposto a reverter esse cenário. Em uma das descobertas mais recentes, feita pelo historiador Bruno Rodrigues de Lima, é possível ver essa movimentação.
O ano era 1869, Luiz Gama folheava um jornal quando se deparou com a notícia da morte de um senhor de escravos em Santos (SP), que deixava explícito em seu testamento a vontade de libertar todos após sua morte. Gama logo foi atrás de descobrir se isto havia acontecido, e só parou quando todos estavam libertos de fato, após uma briga na justiça. Mas a Justiça falhou com Gama e os escravizados: as 217 pessoas foram forçadas a mais 12 anos de trabalho escravo antes de serem realmente livres.
Ao que se sabe, foram no mínimo 500 pessoas libertadas por ações de Luiz Gama. Mas a verdade é que este número pode ser ainda maior, já que o Tribunal de Justiça de São Paulo apresenta uma centena de processos com seu nome.
“Uma coisa que ele fez foi desenterrar a bendita lei de 1831 [Lei Feijó, que proibia a importação de escravos para o Brasil], colocando na cabeça dos outros. Ele era um defensor dos direitos. Dizia ?nós temos leis?. Pedia que as leis existentes fossem aplicadas. Então ele puxava as leis e pegava no pé dos juízes, lembrando que ele mesmo era filho de uma africana, que ele mesmo tinha sido escravizado. Ele sabia o que era ser africano. O que era ser escravo. Ele mexeu no vespeiro.”
Foi a primeira pessoa negra a ter estátua em SP
Mesmo com tanta luta pela liberdade, Luiz Gama não viveu para ver a escravidão ser abolida oficialmente no país, em 1888. Morreu em um 24 de agosto como hoje, em 1882.
O reconhecimento de seu legado, apesar de importantíssimo para a história do Brasil, para a abolição da escravidão e para a construção da autoestima do povo negro no país, demorou para chegar.
Só em 2017 a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco o homenageou dando seu nome a uma sala e dois anos antes, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), concedeu o título de advogado a Luiz Gama.
Ele também foi a primeira pessoa negra a ter uma estátua na cidade de São Paulo. Em 1931, foi inaugurado um busto do advogado no Largo do Arouche, centro da cidade.
Acesse a matéria original em: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2022/08/24/aniversario-de-luiz-gama-5-curiosidades-sobre-o-advogado-da-liberdade.htm
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Quer sber mais sobre o assunto? Conheça o livro Luiz Gama, da coleção Retratos do Brasil Negro, publicada pelo Selo Negro Edições:
LUIZ GAMA
Retratos do Brasil Negro
Autor: Luiz Carlos Santos
SELO NEGRO EDIÇÕES
Não faríamos favor algum a Luiz Gama se o comparássemos a Zumbi dos Palmares na disposição de luta que teve contra a escravidão. Filho de uma guerreira negra, Luiza Mahin, e de um senhor de engenho, Gama é protagonista de uma das mais interessantes histórias de vida, que tem como pano de fundo a presença negra no Brasil.Esta obra faz parte da Coleção Retratos do Brasil Negro, coordenada por Vera Lúcia Benedito, mestre e doutora em Sociologia/Estudos Urbanos pela Michigan State University (EUA) e pesquisadora e consultora da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. O objetivo da Coleção é abordar a vida e a obra de figuras fundamentais da cultura, da política e da militância negra.