……………………………………………Coluna de Cláudia Collucci, publicada em 09/10/2018, no jornal A Folha de S. Paulo.
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Segundo psicóloga, está difícil entender que pensar diferente não é ser adversário
Essas eleições tóxicas continuam provocando efeitos adversos na saúde física e mental das pessoas. Não só pela insensatez de todas ordens e do clima de insegurança, mas também pelos conflitos familiares que têm surgido.
Nos últimos dias, vários amigos relataram profunda tristeza ao descobrir, por exemplo, que pais, irmãos ou parentes próximos são eleitores do candidato Jair Bolsonaro (PSL).
“Preciso de ajuda para enfrentar esse segundo turno. Meu pai fazendo campanha para o coiso já está demais”, disse uma amiga.
“Descobri que meus pais vão votar nele. E o pior: estão mentindo para mim. Meu pai disse que votaria no Álvaro Dias, e mamãe iria anular o voto. Minha sobrinha os desmascarou hoje. Estou arrasado”, comentou outro amigo.
“Estou me sentindo órfã”, desabafou outra.
Não faltam na trajetória do candidato à Presidência pelo PSL declarações machistas, racistas e de ódio às minorias. Em entrevista à TV Record, ele negou ter falado essas asneiras, ainda que exista farto material gravado e publicado a respeito disso.
A questão aqui não é o candidato, mas o endosso a essas ideias por meio do voto. Quando se trata de alguém não muito próximo, é mais fácil ignorar, excluir, bloquear ou colocar a pessoa no modo soneca. Mas e quando esse alguém é seu pai, sua mãe ou seu irmão?
Como um gay pode lidar com o sofrimento de ver o pai ou a mãe votando em alguém que já disse: “Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”?
Para falar sobre isso, entrevistei a psicóloga Maria Helena Franco, professora titular da PUC e uma das maiores especialistas brasileiras em situações de perdas e lutos. Veja o depoimento dela:
“Tenho ouvido muito de pessoas que estão vivendo um choque, uma decepção. Votar em Bolsonaro é muito mais do que escolher para um candidato à Presidência. É tudo o que vem nesse pacote e que está abrindo fissuras, rombos nas relações entre as pessoas.
A fala dele, o discurso contra gays, acabou virando porta-voz de algumas condições que já existiam nas famílias, mas que ficam meio camufladas, não autorizadas de serem expressas. Gosto de pensar no ventríloquo. A voz parece que sai do boneco, mas quem fala é o ventríloquo. Bolsonaro faz o papel desse boneco para sair a voz que as famílias não tinham coragem de trazer. E isso é uma ferida grande.
Existe todo um discurso de aceitação, de que somos bons, uma família que se ama, mas, de repente, aparece um boneco trazendo a voz da pessoa que não teve coragem de falar o que pensa.
Estou vendo muito tristeza nas famílias. Hoje [segunda, 8] foi um dia de consultório em que esse foi o tema principal. As pessoas estão tristes, preocupadas pela possibilidade de terem agido democraticamente e estarem num beco sem saída. A polarização fez muito mal, e isso se manifesta nas famílias.
Está muito difícil as pessoas conseguirem conversar e entender que pensar diferente não é ser adversário, que não se trata de enfrentamento. A intimidade da família permite que a gente converse com segurança. Mas, com os ânimos exaltados, isso está ameaçado. Ficou uma história de ‘nós contra eles’ —quem pensa diferente de mim é um adversário.
Acho isso grave. Família tem que nos dar uma base segura até para divergir, para falar “não dá mais para conversar, fui”. Mas tem que ter uma base segura, senão a gente se desarticula demais.
O Estado também é um representante de base segura para a gente se colocar de maneiras diversas, argumentar, divergir e ter liberdade para se expressar.
Luto significa rompimento de uma relação, de um vínculo significativo. Pode ser com uma pessoa, mas pode ser também com uma ideia. Essa abstração do luto é muito importante de pensar nesse momento.
Será que estamos falando de ideologias? De projeto? O que se rompeu, o que não foi o desejado, o esperado? Espera-se que pessoas com mais de 16 anos já consigam lidar com frustração. Você tem um candidato de sua escolha, um partido, um projeto de governo que corresponde ao que você entenda como bom, certo, necessário, plausível. Mas se aquele fulano não é eleito, a gente se frusta. Será que a gente não consegue lidar com frustração? Será que a diferença ideológica precisa virar um cabo de guerra? Uma queda de braço?
O que acontece é que o nosso povo escavou trincheiras e ficou entrincheirado. Se a gente se coloca nessa posição de entrincheirado, é um luto que vai pedir que eu refaça significados. Significados de um projeto de país e de governo.
Esse luto por uma abstração fica difícil de se percebido, vem com cara de frustração. E as pessoas estão lidando muito mal com frustrações.”
Para ler a coluna na íntegra (para assinantes ou cadastrados), acesse:
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/claudiacollucci/2018/10/atritos-em-tempo-de-eleicao-abrem-rombos-nas-relacoes-familiares.shtml?loggedpaywall
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Maria Helena Pereira Franco é autora da Summus. Conheça seus livros sobre luto:
FORMAÇÃO E ROMPIMENTO DE VÍNCULOS
O dilema das perdas na atualidade
Organizadora: Maria Helena Pereira Franco
Autores: Maria Cristina Lopes de Almeida Amazonas, Airle Miranda de Souza, Danielle do Socorro Castro Moura, Durval Luiz de Faria, Elizabeth Queiroz, Gabriela Golin, Geórgia Sibele Nogueira da Silva, Janari da Silva Pedroso, José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres, Maíra R. de Oliveira Negromonte, Vera Regina R. Ramires, Maria Helena Pereira Franco, Maria Julia Kovács, Maria Lucia C. de Mello e Silva, Maria Thereza de Alencar Lima, Roberta Albuquerque Ferreira, Rosane Mantilla de Souza, Silvia Pereira da Cruz Benetti, Soraia Schwan, Tereza Cristina C. Ferreira de Araújo
Este livro reúne grandes especialistas em formação e rompimento de vínculos. Entre os temas abordados estão os dilemas dos estudantes de medicina diante da morte, a questão das perdas em instituições de saúde, o atendimento ao enlutado, a morte no contexto escolar, as consequências psicológicas do abrigamento precoce, as possibilidades de intervenção com crianças deprimidas pela perda e a preservação dos vínculos na separação conjugal.
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A INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA EM EMERGÊNCIAS
Fundamentos para a prática
Organizadora: Maria Helena Pereira Franco
Autores: Cristina Foloni Delduque da Costa, Karina Kunieda Polido, Julia Schmidt Maso, José Paulo da Fonseca, Isabela Garcia Rosa Hispagnol, Iara Boccato Alves, Gabriela Casellato, Ester Passos Affini, Eleonora Jabur, Lilian Godau dos Anjos Pereira Biasoto, Cristiane Corsini Prizanteli, Claudia Gregio Cukierman, Cibele Martins de Oliveira Marras, Ariana Oliveira, Ana Lucia Toledo, Adriana Silveira Cogo, Adriana Vilela Leite César, Viviane Cristina Torlai, Luciana Mazorra, Luiz Antonio Manzochi, Marcelo M. S. Gianini, Maria Angélica Ferreira Dias, Maria Helena Pereira Franco, Maria Inês Fernandez Rodriguez, Mariangela de Almeida, Priscila Diodato Torolho, Rachel Roso Righini, Reginandréa Gomes Vicente, Régis Siqueira Ramos, Samara Klug, Sandra Regina Borges dos Santos, Sandra Rodrigues de Oliveira, Suzana Padovan
Este livro reúne experiências e reflexões sobre um campo de atuação novo no Brasil: o atendimento psicológico a pessoas em situações de emergência e desastre. Diversos especialistas abordam a importância de cuidar dessas pessoas e os procedimentos e técnicas mais indicados em cada caso. A saúde mental do psicólogo e os efeitos do transtorno de estresse pós-traumático também são analisados.
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O RESGATE DA EMPATIA
Suporte psicológico ao luto não reconhecido
Organizadora: Gabriela Casellato
Autores: Valéria Tinoco, Sandra Rodrigues de Oliveira, Rosane Mantilla de Souza, Regina Szylit Bousso, Plínio de Almeida Maciel Jr, Maria Helena Pereira Franco, Gabriela Casellato, Déria de Oliveira, Daniela Reis e Silva, Cristiane Ferraz Prade, Ana Cristina Costa Figueiredo
O tema do luto não sancionado é pouco abordado na literatura clínica. Neste volume, profissionais da área de saúde preenchem essa lacuna tratando de temas como aborto espontâneo, infidelidade conjugal, aposentadoria, morte de animais de estimação, perda de familiares por suicídio e o luto de cuidadores profissionais. Estratégias para lidar com a perda e os transtornos psiquiátricos decorrentes dela também fazem parte da obra.
VIDA, MORTE E LUTO
Atualidades brasileiras
Organizadora: Karina Okajima Fukumitsu
Autores: Leo Pessini, Ana Catarina Tavares Loureiro, Avimar Ferreira Junior, Daniel Neves Forte, Daniela Achette, Elaine Gomes dos Reis Alves, Elaine Marques Hojaij, Elvira Maria Ventura Filipe, Emi Shimma, Fernanda Cristina Marquetti, Gabriela Casellato, Gilberto Safra, Gláucia Rezende Tavares, Karina Okajima Fukumitsu, Teresa Vera Gouvea, Marcello Ferretti Fanelli, Marcos Emanoel Pereira, Maria Carlota de Rezende Coelho, Maria Helena Pereira Franco, Maria Julia Kovács, Maria Luiza Faria Nassar de Oliveira, Mayra Luciana Gagliani, Monja Coen Roshi, Monja Heishin , Nely Aparecida Guernelli Nucci, Patrícia Carvalho Moreira, Pedro Morales Tolentino Leite, Protásio Lemos da Luz
Esta obra visa apresentar os principais cuidados e o manejo em situações-limite de adoecimento, suicídio e processo de luto, bem como reitera a visão de que, toda vez que falamos sobre a morte, precisamos também falar sobre a vida. Escrito por profissionais da saúde, este livro multidisciplinar atualiza os estudos sobre a morte, o morrer, a dor e o luto no Brasil. Destinado a psicólogos, médicos, assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais etc., aborda temas como: espiritualidade, finitude humana, medicina e cuidados paliativos; cuidados e intervenções para pacientes cardíacos, oncológicos e portadores de doença renal crônica; intervenção na crise suicida; pesquisas e práticas sobre luto no Brasil e no exterior; luto não autorizado; as redes de apoio aos enlutados; a tanatologia na pós-graduação.