Matéria de Eduardo Shor, publicada originalmente no VivaBem UOL
em 23/02/2021

A rotina de alimentação de um bebê é algo que costuma gerar dúvidas e exige muitos cuidados e paciência, principalmente nos primeiros dois anos, pois o cardápio vai impactar não só no desenvolvimento e saúde da criança, como também influenciar o paladar e os hábitos alimentares não só na infância, mas para o resto da vida.

Sim, tudo está conectado e uma criança habituada com um cardápio repleto de alimentos naturais tem mais chances de seguir uma dieta saudável quando crescer. A seguir, veja como deve ser a base da alimentação do seu pequeno.

Até os 6 meses: amamentação é o “prato principal”

Nessa fase não há muito o que ter dúvida: a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que o bebê seja alimentado exclusivamente com leite materno até os seis meses de idade —obviamente, se algo impossibilitar a amamentação, a criança pode ser alimentada com fórmulas, conforme orientação do pediatra.

Segundo informações do Caderno de Atenção Básica do Ministério da Saúde, o aleitamento materno nessa fase da vida é importante para o sistema imunológico do bebê, evita infecções e alergias e ainda reduz o risco de problemas no futuro como hipertensão, colesterol alto e obesidade.

Após os seis meses, quando será iniciada a introdução de alimentos sólidos, o leite materno pode (e deve) continuar complementando o cardápio do bebê. Para uma criança de até dois anos, estima-se que 500 ml de leite materno garantem até 95% de suas necessidades diárias de vitamina C, 45% das de vitamina A, 38% das de proteína e 31% do total de energia (calorias). Ou seja, ele é um importante complemento das refeições sólidas.

O início da introdução alimentar

Como falamos, após os seis meses o bebê deve começar a receber os primeiros alimentos alimentos sólidos. Aqui, a principal recomendação é que o cardápio seja variado e sempre 100% naturais. Podem ser oferecidos frutas (banana, mamão, manga, maracujá, laranja etc.), legumes (cenoura, beterraba, abóbora, brócolis, couve-flor, tomate), tubérculos (batata, mandioquinha, mandioca), ovo, carnes, peixe.

Esses alimentos podem ser oferecidos amassados, na forma de papinhas/purês/sucos ou em pedaços pequenos (sempre tomando cuidado para evitar engasgos). Obviamente, não precisam estar todos em uma única refeição. No início, é até recomendado colocar poucas opções no prato, para o bebê identificar melhor o sabor de cada alimento e se acostumar com ele.

Importante: até um ano, muitos pediatras não recomendam que se ofereça leite de vaca e derivados (queijo, iogurte) ao bebê, para evitar o desenvolvimento de alergias.

Evite doces e industrializados

Até os dois anos, não é nada indicado dar açúcar, doces, massas instantâneas, fast-food, frituras e ultraprocessados para os bebês. Isso porque essas comidas são repletas de carboidratos refinados, gorduras pouco saudáveis, aditivos químicos, conservantes e sódio em excesso, que podem prejudicar o amadurecimento do organismo, a formação e o funcionamento de muitos órgão —metade do crescimento do cérebro, por exemplo, ocorre até o segundo ano de vida.

Além disso, tornar ainda na infância o consumo desses alimentos um hábito vai impactar na alimentação no futuro. Segundo a nutricionista clínica Angela Federau, professora de nutripediatria na pós-graduação de Medicina da Faculdade Inspirar e pesquisadora na UFPR (Universidade Federal do Paraná), como o paladar está em formação, essa fase até os dois anos é perfeita para oferecer o maior número possível de alimentos naturais sem adição de sal ou açúcar, para acostumar as papilas a sabores diversos, como o azedo e o amargo, geralmente esquecidos em detrimento do doce e do salgado.

Uma coisa importante é não desistir de oferecer um alimento ao bebê se ele recusá-lo no começo. Ofereça novamente um, dois, três, dez, vinte dias. “Quando pensamos na educação escolar de uma criança, na alfabetização, cada aluno tem o seu tempo de aprendizado e se um deles demora a aprender o professor insiste até que a lição seja memorizada. Já na educação alimentar muitas vezes ocorre o posto. Se a criança não gosta do alimento, as mães, pais e responsáveis logo desistem, não pode ser assim”, observa Federau.

Paciência é essencial

Quem cuida de crianças sabe que o momento da refeição muitas vezes pode se tornar estressante —para o bebê e, principalmente, para os adultos. É natural a criança se recusar a comer, cuspir os alimentos, chorar ou consumir muito menos do que foi colocado no prato. Tudo isso é totalmente normal e não deve tirar os adultos do sério.

“Existem casas em que a irritação vai crescendo conforme o horário da refeição se aproxima. Há pais que preferem comer fora para não ter que enfrentar a resistência dos filhos na hora de comer e deixam sempre a difícil tarefa da alimentação com a mãe. O caos se instala e o estresse é péssimo, pois pode gerar neuroses, traumas relacionados à comida etc. Seja adulto, seja criança, ninguém come direito estressado”, lembra Cícero Alaor Kluppel, médico pediatra coordenador do Ambulatório de Dificuldades Alimentares do Complexo Hospital de Clínicas da UFPR.

Kluppel alerta que, na hora do desespero e estresse, ao ver que o filho não aceita a comida ou passou a comer menos do que anteriormente, os pais não devem trocar legumes, verduras, frutas e carnes por doses exageradas de mamadeira ou itens que os pequenos aceitam com maior facilidade, como pães, biscoitos e até doces. O ideal é manter o cardápio planejado e os intervalos entre as refeições —café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar, por exemplo, além de três mamadas distribuídas entre essas refeições (ao acordar, antes de dormir e no meio da tarde).

Na visão do pediatra, em vez de ceder a todo o tipo de desejo da criança, é preciso encarar o momento em que ela recusa uma refeição como uma excelente oportunidade de trabalhar o conceito de limite.

“O limite é uma forma de carinho e de ajuda no desenvolvimento da criança. Para se desenvolver, a criança precisa ser mal sucedida em algumas coisas e na relação com os alimentos isso acontece, pois nem sempre vamos poder consumir tudo o que desejamos. Todo mundo na mesa deve se contentar com o que tem na casa e foi preparado para aquele momento”, diz o médico.

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