Texto parcial de Diogo Sponchiato, publicado originalmente na revista Veja, em 29/10/2024
Em coletânea de textos, a oncologista Ana Coradazzi expõe as belezas e os desafios do cuidado com o outro e advoga por uma medicina baseada em empatia
Quando estava no terceiro ano de faculdade, a futura médica Ana Coradazzi encarou, entre tensa e empolgada, a primeira anamnese de sua vida. Olho no olho do paciente, iria tirar a história clínica de um senhor com dificuldade para engolir e perda de peso. Acabada a investigação, angustiada e inquieta, a aluna foi discutir o caso com o professor, que lhe contou sobre o diagnóstico daquele homem: câncer. A reação de Ana: começou a chorar.
Anos depois, a mesma Ana se formaria em medicina, se especializaria em oncologia e atenderia centenas de pessoas. Mas algo lhe marcou a alma naquele dia de hospital universitário: a noção de vulnerabilidade. Dos pacientes, mas também dos médicos. Reconhecê-la – assim como reconhecer que nem sempre se tem todas as respostas e que, não importam as circunstâncias, é preciso acolher a dor do outro – é um dos passos para praticar o que ela chama de medicina baseada em empatia.
Esse conceito permeia os textos de O Médico Sutil, recém-publicado pela MG Editores, uma coletânea de reflexões e histórias que, em comum, expõem as nuances, as belezas e os desafios de cuidar da saúde e do bem-estar de alguém. Um livro que toca em feridas difíceis sobre o exercício da medicina e as posturas de quem a pratica, sem jamais cair no conformismo, nas saídas irreais ou no abandono do velho juramento de Hipócrates.
Líder da equipe de oncologia clínica da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp, especialista em cuidados paliativos e expoente do movimento Slow Medicine, Ana escreve com a experiência e a delicadeza de quem se dedica a pacientes na beira do leito, forma novos profissionais e, “otimista incorrigível”, sonha com uma medicina mais empática no país.
Como praticar a medicina baseada em empatia num contexto em que coexistem a corrida contra o relógio nos consultórios e a busca de metas e lucros em hospitais?
Talvez o primeiro passo seja repensarmos a ideia de que a empatia necessariamente exige um tempo longo para ser exercida. O exercício da empatia tem mais a ver com o olhar de quem a exerce do que com o tempo disponível. Do ponto de vista da assistência médica, o tempo é, sim, escasso, e justamente por isso precisa ser utilizado com sabedoria e sem desperdícios. Lançar mão de um olhar empático faz parte dessa estratégia, na medida em que nos tornamos mais capazes de identificar as necessidades do outro com acurácia e oferecer estratégias que estejam alinhadas a essas necessidades.
Embora possa parecer paradoxal, agir de forma empática nos poupa tempo, porque melhora nossa capacidade diagnóstica, reduz a solicitação de exames desnecessários e aumenta a adesão das pessoas aos tratamentos, resultando em menos insucessos terapêuticos e menos complicações. A empatia é uma ferramenta terapêutica, e não um luxo opcional.
Testemunhamos uma multiplicação de faculdades de medicina e cursos de especialização pelo país. Em que medida as noções de atenção e acolhimento ao paciente que a senhora defende no livro têm sido ensinadas na graduação e pós-graduação?
Do meu ponto de vista, temos vivido tempos um tanto sombrios no ensino médico, e por uma infinidade de motivos. O ensino à beira do leito, onde estudantes e docentes tinham um contato muito próximo, permitia que os alunos pudessem vivenciar as relações profissionais de perto e aprendessem pelo exemplo. Hoje isso não acontece mais. O foco do ensino tem sido a transmissão de informações técnicas (quando muito), com pouca ou nenhuma atenção a questões humanas que estejam fora do escopo biológico.
Os médicos aprendem a lidar com doenças, não com humanos doentes. Isso me parece assustador. A relação entre médico e paciente pode ser terapêutica em muitos níveis, da compreensão do caso até o alívio do sofrimento, e traz benefícios importantes para o próprio profissional, que enxerga mais significado em sua profissão.
A multiplicação indiscriminada e pouco criteriosa de faculdades e cursos que, com frequência, negligenciam essas noções, é, em grande medida, responsável pela frustração profunda e pelo comprometimento da saúde mental que temos visto, tanto entre os pacientes como entre os profissionais. Mas já há bons cursos que têm se debruçado sobre essas questões, criando disciplinas relacionadas a Humanidades Médicas. Como otimista incorrigível, espero que essas iniciativas sejam utilizadas como exemplos a serem seguidos.
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Para ler a matéria completa, acesse: https://veja.abril.com.br/coluna/conta-gotas/a-empatia-e-uma-ferramenta-terapeutica-nao-um-luxo-opcional-diz-medica/
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Conheça todos os livros de Ana Coradazzi pulicados pela MG Editores:
Médico sutil, O
Medicina baseada em empatia
R$49,50Esta é uma obra para todas as pessoas que, de alguma forma, estão envolvidas com o cuidado humano, seja atuando profissionalmente ou necessitando desses cuidados. O livro reúne reflexões importantes sobre como estamos lidando com a saúde dos seres humanos, convidando o leitor a um olhar mais sensato e crítico. Apesar de tanta evolução científica no campo da saúde, os pacientes, seus familiares e os próprios profissionais nunca se sentiram tão frustrados e tão sós. Refletir mais profundamente sobre os caminhos que temos escolhido pode nos ajudar a alcançar um futuro mais saudável, pleno e feliz.
Slow Medicine
Sem pressa para cuidar bem
R$65,90O movimento Slow Medicine (medicina sem pressa) está presente em diversos países, e sua atuação tem crescido exponencialmente nos últimos anos. Entre seus princípios estão: a individualização dos tratamentos; a autonomia do paciente; o manejo do tempo para permitir consultas e cuidados mais adequados; o uso parcimonioso das tecnologias; a segurança do paciente em primeiro lugar; o uso adequado de práticas complementares; a paixão pela profissão; a compaixão pelos pacientes; e o conceito positivo de saúde. Quando bem aplicados, esses princípios ajudam os pacientes — com os mais diversos tipos de enfermidade — a aderir ao tratamento e a estabelecer uma relação de confiança com seus cuidadores.
Apoiando-se em sua vasta experiência com a Slow Medicine, e balizados pelos estudos mais modernos, Ana Coradazzi e André Islabão explicam neste livro pioneiro como esse movimento funciona na prática e os benefícios que ele pode trazer para a saúde coletiva. Cada capítulo parte de uma vinheta clínica e mostra que a medicina está além da ciência, sendo composta também por aspectos culturais, espirituais e filosóficos. Trata-se, em suma, de uma obra fundamental para a conquista de uma visão mais humanizada da saúde e da medicina, estando destinada a profissionais de saúde, pacientes e seus familiares.
De mãos dadas
O olhar da slow medicine para o paciente oncológico
R$74,70De mãos dadas é um livro desafiador. Ao mesmo tempo que compreende os avanços tecnológicos no diagnóstico e tratamento do câncer, reconhece as perdas que tivemos no caminho, como a fragilidade das relações entre médicos e pacientes, a perda da autonomia destes e de seus familiares durante o processo da doença e os malefícios que o excesso de tecnologia pode causar no cenário oncológico. Partindo da teoria e da prática da slow medicine – abordagem clínica que procura resgatar a dignidade do paciente por meio de conceitos como tempo, individualização, autonomia, qualidade de vida, segurança em primeiro lugar e uso parcimonioso da tecnologia – a obra propõe caminhos para uma medicina mais sóbria, respeitosa e justa na área da oncologia. Além disso, os relatos de casos emocionantes e humanos, marca registrada da dra. Ana Coradazzi, impactam positivamente tanto os profissionais da saúde como aqueles que são cuidados por eles.
Médico e o rio, O
Histórias, experiências e lições de vida
R$69,10O médico e o rio é um livro de histórias reais. Mais que isso: é um livro sobre humanidade. O leitor encontrará aqui pessoas comuns cuja vida foi transformada pelo câncer e, de alguma maneira, precisaram reinventar seus caminhos, tornando única a sua existência. Alguns desses caminhos são de dor ou de mágoa; outros, de superação e coragem. Há resiliência e compaixão nestas páginas, assim como momentos de medo e de desesperança, gentileza e crueldade, generosidade e indiferença. Ao fim de cada relato, fica claro que todos vamos morrer da mesma forma que vivemos – tudo depende das escolhas que fazemos a cada dia.
Mas o que torna esta obra ainda mais especial são seus autores – ambos médicos dedicados aos cuidados paliativos – e seu olhar delicado e solidário para as forças e as fragilidades de seus pacientes. Ana e Lucas revelam, a cada parágrafo, a coragem de se envolver nessas histórias, participar delas plenamente e, por isso mesmo, aprender com cada passo. Ao se colocar como parceiros de seus pacientes durante a travessia do “rio” da vida, eles nos revelam o encantamento e a complexidade da natureza humana.
Pancadas na cabeça
As dificuldades na formação e na prática da medicina
R$62,80A medicina é, sem dúvida, para os fortes. Os médicos precisam lidar desde muito cedo com angústias, controvérsias, desafios, incertezas. Seus sucessos e fracassos caminham de mãos dadas. Eles se envolvem em situações das quais a maior parte das pessoas fugiria, apavorada. Muitas vezes, cabe a eles executar o trabalho “sujo”. É também sobre eles que as maiores expectativas se depositam. Os médicos assumem sobre seus ombros responsabilidades que, em muitas culturas, são atribuídas a divindades. Este livro traz os percalços, as frustrações e os sofrimentos de seu dia a dia – tais como as dificuldades na formação do profissional de medicina, o primeiro contato com a morte, erro médico, entre outros –, além de discutir assuntos como a ética profissional e a relação médico-paciente e dar dicas a estudantes e jovens que pretendem ingressar nessa carreira. É assim, trocando experiências e expondo angústias, que as “pancadas na cabeça” tornam-se menos doloridas, mais fáceis de suportar.