Em diversos campos do conhecimento, é comum encontrarmos importantes teóricos que não necessariamente faziam parte daquele meio. Na comunicação, por exemplo, Theodor Adorno é um nome muito conhecido e estudado, entretanto, o filósofo da Escola de Frankfurt não pode ser chamado de jornalista. Na pedagogia, por sua vez, a história se repete: o suíço Jean Piaget, nascido em 9 de agosto de 1896,  era formado em biologia, mas seus estudos influenciaram a criação de um renomado método educacional, o construtivismo.

Para entender as ideias de Jean Piaget, precisamos ter em mente a etimologia da palavra “aluno”. Pode não parecer, mas a linguagem é capaz de revelar sentidos muitas vezes implícitos na repetição exaustiva de expressão. No caso, a palavra “aluno”, do latim, a significa ausência, falta de; enquanto luno remete a “lumni”, que sugere “luz”. Ao pé da letra, o sentido da palavra é “aquele que não tem luz” e, assim, poderia ser “iluminado” pela ação do professor.

Durante muito tempo, as relações escolares estiveram baseadas nessa lógica, mas como explica Fernanda Batista dos Santos, formada em Letras e Pedagogia pela Universidade de São Paulo (USP), Piaget começou a compreender que “a criança não é uma ‘ tábula rasa ’, na qual apenas se depositam conhecimentos”, e que os processos de aprendizagem durante a infância são determinados por alguns fatores, ultrapassando a simples influência do professor sobre os estudantes.

Antes do biólogo suíço, as teorias sobre o conhecimento eram classificadas em racionalistas, pois defendiam que “o conhecimento humano vinha dele mesmo e de sua razão”, ou como empiristas, ou seja, relacionadas aos estudiosos que defendiam a aquisição do conhecimento através das experiências com o mundo, como salienta Luzia Estevão Garcia, formada em Letras e Pedagogia e mestre em Linguagem e Educação pela Faculdade de Educação da USP (FEUSP).

Por meio da observação do crescimento de seus filhos, desde o nascimento até meados da adolescência, Piaget encontrou novos caminhos ao questionar: “como o ser humano é capaz de aprender?”, assim, a partir dessa premissa, elaborou a chamada Epistemologia Genética. Segundo explica o argumento do teórico, com o propósito de analisar as etapas do desenvolvimento infantil, a criança aprenderia através de suas interações com o meio, em uma troca constante entre o indivíduo e as experiências pelas quais ele passa, portanto.

A Epistemologia Genética

“Piaget não desenvolveu um método de ensino”, enfatiza Luzia ao explicar que um dos principais pontos da obra do biólogo, a Epistemologia Genética, é um estudo sobre os mecanismos de aprendizagem dos seres humanos. Ao identificar as características do crescimento infantil, o suíço traçou um “mapa do desenvolvimento da criança”, como exemplifica a pedagoga e psicopedagoga Ismênia Ribeiro de Faria.

1ª Etapa: Sensório-motora
– Até o 24º mês
Ênfase para a incorporação de elementos externos e desenvolvimento de suas capacidades motoras, como engatinhar

2ª Etapa: Pré-operatória
– Dos 02 aos 07 anos
Domínio da linguagem, formação de imagens mentais e imitação da realidade; destaque para a importância do mundo e exemplos concretos

3ª Etapa: Operatório-concreta
– Dos 07 aos 12 anos
Pensamento lógico e início da capacidade de abstração, porém, o “concreto” ainda é muito presente

4ª Etapa: Operatório-formal
– A partir dos 12 anos
Pensamento hipotético-dedutivo, autonomia e consolidação da personalidade

Ao dividir a infância em quatro faixas etárias, o biólogo mostra como a aprendizagem depende das possibilidades de cada etapa, ou seja, não é possível forçar uma criança a aprender algo antes do seu tempo . Ismênia ainda explica que “alguns pais não entendem, mas nós [educadores] não podemos introduzir um conteúdo antes que a criança esteja apta a entendê-lo”.

A partir deste “mapa”, as análises do estudioso se tornaram matéria-prima para o surgimento de um método educacional, o construtivismo . De acordo com Luzia, quando a pedagogia compreende que são as experiências com o mundo que constroem o conhecimento da criança, esta ideia muda a lógica da sala de aula e propõe uma nova forma de lidar com os alunos. Agora, os professores não são mais os ditos “detentores” do conhecimento, mas facilitadores, que guiam o aluno em sua própria jornada de aprendizado.

O papel do professor na sala de aula

“Ela [a criança] interage com o meio e aprende”, segundo Fernanda. Esta é a síntese do construtivismo, que não espera que o aluno seja um depósito de informações, mas que ele construa o conhecimento a partir de experiências. Assim, o educador passa a apresentar diversas situações para as crianças, que observam e, depois, recebem uma contribuição teórica do professor.

De acordo com a pedagoga Rosangela Milani Paes, um famoso modelo são as pequenas experiência realizadas nas aulas de ciências. Plantar o feijão no algodão e fazer com que os alunos acompanhem seu crescimento para depois compreenderem, a partir do professor, o processo da fotossíntese, é um bom e simples exemplo.

Além disso, a utilização do Material Dourado nas aulas de matemática une dois conceitos piagetianos, segundo Rosangela: a experimentação por meio das peças e o uso do “concreto”, tão importante nas primeiras fases de desenvolvimento, para que pequenas operações matemáticas sejam compreendidas.

Acompanhando a presença do professor, um importante componente das salas de aula não pode ser deixado de lado: o material didático. Por mais que o construtivismo seja um método muito difundido no Brasil, alguns aspectos do sistema brasileiro de ensino – como o vestibular – ainda perpetuam a ideia do aluno como receptor de conhecimento, o que é refletido em diversos livros e apostilas escolares.

A elaboração de um livro com os conceitos de Jean Piaget, segundo Santos, precisa de elementos que coloquem o aluno como “atuante em seu processo de aprendizagem”, por exemplo, com mecanismos que possam instigar o interesse da criança pelo assunto abordado. Longe do tradicional modelo de aula, em que o professor expõe o conteúdo e espera que os estudantes guardem as informações passadas, tal material deve priorizar a ação da criança , colocando o professor como um “guia” do processo.

Editora de materiais para a Educação Infantil e Ensino Fundamental, Garcia explicou que a produção dos livros depende das exigências dos departamentos pedagógicos e comercial. “Este ano, por exemplo, encomendaram um livro para crianças de 2 anos, eu pensei logo em Piaget, em um livro cheio de texturas para o bebê explorar, sons diversos, nada de escrita. Mas eu ainda não sei como vai o livro ficar no final”, ilustrou.

Identificar o quanto a criança é inteligente e o seu papel de protagonismo durante a aprendizagem foi um dos grandes feitos de Jean Piaget, o que mostra a importância de sempre repensar as estratégias pedagógicas e as teorias que estão sendo colocadas em prática. Afinal, as transformações sociais e as novas descobertas acontecem a todo o momento, e assim, “o ato de ensinar deve ser reciclado, já que o mundo está em constante mudança ”, como explica Santos.

Artigo publicado no iG Educação em 09/08/2017. Para lê-lo na íntegra, acesse: http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2017-08-09/aniversario-jean-piaget.html

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Saiba mais sobre Piaget, com as obras da Summus:


O JUÍZO MORAL NA CRIANÇA

Autor: Jean Piaget

Obra pioneira de um dos maiores pensadores do século. A partir de entrevistas com crianças, o autor analisa as regras do jogo social e a formação das representações infantis: os deveres morais e as idéias sobre mentira e justiça entre outras. Fundamentalmente para psicólogos e educadores.

 

DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM EM PIAGET E VIGOTSKI
A relevância do social
Autora: Isilda Campaner Palangana

Esta obra clássica, agora em edição revista, analisa os processos de aprendizagem e desenvolvimento humano à luz das teorias de Jean Piaget e Lev Semenovich Vigotski. Para tanto, Isilda Campaner Palangana examina os fundamentos metodológicos e as raízes epistemológicas dos postulados desses dois grandes mestres da psicologia da educação. Contribui, assim, para que se compreendam as convergências e divergências conceituais entre eles, sobretudo no que diz respeito ao papel da interação social na promoção da aprendizagem e do desenvolvimento das capacidades e funções psicológicas caracteristicamente humanas.

A CONSTRUÇÃO DO HOMEM SEGUNDO PIAGET
Uma teoria da educação
Autor: Lauro de Oliveira Lima

Este livro é uma leitura da obra de Jean Piaget do ponto de vista de sua aplicação ao processo educacional. O autor é o maior conhecedor e divulgador de Piaget entre nós, tendo difundido e posto em prática seus ensinamentos. Em 50 pequenos textos, são comentados os pressupostos de toda a visão de Piaget sobre a criança e a Educação, no esforço de construção de um adulto equilibrado, em condições de encontrar seu caminho na sociedade.


PIAGET, VYGOTSKY, WALLON

Teorias Psicogenéticas em discussão
Autores: Yves de La TailleMarta Kohl de OliveiraHeloysa Dantas

Três professores da Universidade de São Paulo, da área de psicologia do desenvolvimento e aprendizado, analisam substantivos em psicologia à luz das teorias de Piaget, Vygotsky e Wallon. Entre eles, os fatores biológicos e sociais no desenvolvimento psicológico e a questão da afetividade e da cognição.
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PIAGET PARA PRINCIPIANTES
Autor: Lauro de Oliveira Lima

O maior especialista em Piaget no Brasil remiu neste volume mais de 30 artigos e ensaios analisando em seus mínimos detalhes a obra do genial educador suíço em torno da criança, seu desenvolvimento e o adulto.

 

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