Neste mês do Orgulho LGBTQIA+, temos o grande prazer de trazer uma entrevista com o francês Jean-Luc Schwab, coautor de Triângulo Rosa, a história verídica e incrível de Rudolf Brazda, último sobrevivente gay do campo de concentração nazista, falecido em 2011, aos 98 anos.

 

– Você já colaborou com uma associação dedicada ao reconhecimento das deportações de homossexuais. Conte-nos como ficou sabendo da existência de Rudolf Brazda, último sobrevivente dessas deportações, sobre seu primeiro contato com ele e qual foi a reação do biografado à ideia de registrar sua história.

Ouvi falar de Rudolf por acaso, muito brevemente, numa noite no final de junho de 2008, enquanto assistia ao noticiário de um canal de TV alemão: ele aparecia na reportagem por ter ido à parada do orgulho gay de Berlim, à qual compareceu a convite dos organizadores. Foi uma surpresa para mim, porque a suposição geral era a de que todos os triângulos-rosa já haviam morrido…

No dia seguinte, a imprensa francesa também publicou uma matéria sobre o assunto, e a minha surpresa foi ainda maior: ao contrário do que eu pensava, Rudolf não morava na Alemanha, mas na França, a menos de 20 quilômetros da minha cidade. De comum acordo com a associação à qual eu pertencia na época, entrei em contato com Rudolf, cujo endereço e telefone constavam da lista telefônica.

Nós nos encontramos na casa dele duas semanas depois e tivemos uma conversa longa e amigável. Concordamos então em nos encontrar novamente para conversar sobre suas memórias e experiência como gay perseguido na Alemanha nazista. Aos 95 anos, Rudolf felizmente ainda estava muito alerta, física e mentalmente; ao mesmo tempo, dada a sua idade, pareceu-me urgente manter algum tipo de documento em áudio e/ou vídeo do que ele estava disposto a revelar a respeito do seu passado. Escrever uma biografia não foi minha primeira preocupação. Essa ideia surgiu meses depois, e exigiu certa persuasão, tanto para mim quanto para Rudolf.

Ao mesmo tempo que o encontrava regularmente e registava as nossas conversas, comecei a cuidar do Rudolf (fazer compras com ele, tratar de questões administrativas, separar papéis…) e, à medida que nos conhecíamos melhor, fomos nos tornando amigos. Outros amigos começaram a sugerir que eu escrevesse um livro sobre ele. Afinal, era provável que eu fosse a pessoa que passara mais tempo com ele conversando sobre seu passado. Além disso, eu havia começado uma pesquisa histórica, então aquilo fazia sentido. Porém, eu nunca havia escrito um livro…

Rudolf não tinha consciência do valor histórico do seu testemunho; então, a princípio, um livro sobre sua vida lhe pareceu uma ideia muito estranha. Ele afirmou que sua história era muito semelhante à de Heinz Heger, cuja biografia lera muitos anos antes. Tive de lhe explicar que sua história de vida forai bem diferente e muito incomum. O fato de ele ser o provável último sobrevivente dos triângulos-rosa e de nunca ter falado sobre isso gerou ainda mais interesse — sem mencionar que sua trajetória parecia ter saído de um romance. Esses argumentos eventualmente o fizeram concordar com a publicação de sua biografia. Também concordamos que eu apresentaria o relato a ele antes de enviá-lo aos editores. Assim, Rudolf manteria o controle do que seria publicado sobre ele.

Também viajamos para alguns dos lugares onde ele morou, principalmente na antiga Alemanha Oriental (sua terra natal, Altenburg, Weimar e Buchenwald) e na atual República Tcheca (Eger e Karlovy Vary): ele me mostrou esses lugares e relembrou o que havia acontecido lá.

 

– Sabemos que, baseado no testemunho de Rudolf, você construiu uma narrativa sustentada por uma rigorosa pesquisa histórica. Quanto tempo levou todo esse processo, da tomada dos depoimentos de Rudolf, passando pela pesquisa e checagem dos fatos até a publicação da obra no idioma original?

Levou aproximadamente um ano do momento em que comecei a registrar seu depoimento até o momento em que consegui enviar o manuscrito a possíveis editores (e, menos de um ano depois, ele foi publicado pela primeira vez na França). Entretanto, entrei em contato com vários arquivos históricos na Alemanha e na República Checa, para onde Rudolf e eu viajamos. Também recebi conselhos de ex-prisioneiros de campos de concentração e historiadores. Para mim, dois aspectos foram cruciais para retratar a história de vida de Rudolf:

  • exatidão histórica, baseada em registros materiais de arquivo e confirmada pelo próprio Rudolf, que também relatou casos e histórias. O assunto ainda era delicado, por isso era importante provar que o que escrevi dependia de um bom trabalho de pesquisa.
  • facilidade de acesso para não especialistas: Rudolf continuou falando alemão e boa parte de sua vida se centrou na Alemanha, enquanto eu escrevia para leitores de língua francesa, cujo domínio das palavras alemãs e da história do país poderia ser bastante limitado. A fim de manter o livro fácil de ler e adequado para um público amplo, precisei oferecer explicações complementares e informações contextuais para mantê-lo interessante e facilmente acessível, sobretudo para não especialistas.

No final das contas, o que importava para mim era que a história de Rudolf fosse conhecida pelo maior número de pessoas possível, não só porque a achei incrivelmente interessante, mas também porque não havia muitos testemunhos de triângulos-rosa sobreviventes. O livro deveria registrar a vida do último triângulo-rosa com sua ampla aprovação — por assim dizer, enquanto ele ainda estava vivo. Também me deixou feliz o fato de que a edição brasileira do livro tenha sido publicada enquanto Rudolf estava vivo.

 

– O livro teve grande alcance, tendo sido publicado em inglês, português e espanhol. Para além do registro histórico, a obra retrata a força e a capacidade de resiliência do ser humano. Você pode resumir em uma ou duas frases a mensagem que a história de Rudolf leva aos que sofrem preconceito e intolerância nos dias de hoje?

A história de vida de Rudolf, embora não termine de forma trágica, lança luz sobre um aspecto sombrio do século XX. Ele era uma pessoa muito alegre, apesar de tudo que enfrentou ao longo da vida. Sua história é verdadeiramente inspiradora, porque Rudolf almejava ser ele mesmo, mesmo diante das adversidades, e levar uma vida feliz e plena com as pessoas que amava, independentementemente do que os outros pensassem dos homossexuais. E ele fez isso muito bem!

Sou grato por tê-lo conhecido, e também pela oportunidade de contar sua história para pessoas na França e em outros países. Por último, mas não menos importante, estou orgulhoso por termos sido bons amigos até o fim!

 

Conheça a obra publicada pela Mescla:

Triângulo rosa – (2ª edição revista e ampliada)

Um homossexual no campo de concentração nazista
Jean-Luc Schwab
Rudolf Brazda
R$70,60

 

Identificados como “triângulos-rosa”, milhares de homossexuais foram enviados para campos de concentração pelo regime de Hitler. Rudolf Brazda, que recebeu a matrícula 7952, ficou preso em Buchenwald por dois anos. Conhecido como o último sobrevivente gay do campo, faleceu aos 98 anos, pouco depois de receber a medalha da Legião de Honra francesa, honraria suprema daquele país. No livro, ele faz um relato ímpar, sustentado por um rigoroso trabalho de pesquisa histórica e marcado pela dor e pela esperança de quem sobreviveu aos horrores do nazismo. Esta nova edição conta com o acréscimo de um epílogo escrito por Schwab, em que ele relembra os anos que passou com seu biografado e as inúmeras homenagens que este recebeu ainda em vida.

 

Entre com seu e-mail para receber ofertas exclusivas do Grupo Summus!

    X