Texto parcial de reportagem de Sibele Oliveira, publicada originalmente no VivaBem UOL em 16/09/2020.

Imagine que você está entrando no mundo de uma pessoa que quer tirar a própria vida. Ele é feito de desespero, impotência, prostração, desesperança, angústia, solidão, desamparo, falta de sentido e ausência de futuro. As paisagens são todas sombrias e não existe luz para enxergar uma saída. Se já é difícil cumprir tarefas simples como levantar da cama ou escovar os dentes, as que demandam mais energia, como trabalhar, são um verdadeiro martírio.

É nessa escuridão que surge a sensação de que não tem mais jeito. “Em vez de remover o problema, a pessoa imagina que vai se livrar desse sofrimento com a morte”, resume Karina Okajima Fukumitsu, psicóloga, suicidologista e consultora do Hospital Santa Mônica.

Agora faça o exercício de se colocar no lugar dessa pessoa e não encontrar quem entenda como é insuportável o que ela vive. Por isso, muitas costumam se fechar. Mesmo que por dentro haja um turbilhão de pensamentos, emoções e sentimentos, eles ficam trancados a sete chaves, tão bem escondidos que às vezes nem quem está ao lado percebe.

A pessoa guarda tudo para si porque não tem ânimo nem vontade de falar sobre o seu estado interno. Na verdade, ela não quer desistir da vida, mas matar o que a faz sofrer. Tanto os problemas quanto a forte dor emocional que enterra o desejo de continuar vivendo.

Tomada por um sofrimento intenso, a pessoa mergulha num definhar existencial, que Fukumitsu chama de “processo de morrência”. Algo que vai acontecendo aos poucos, até ela chegar à conclusão de que morrer é a única maneira de acordar do pesadelo que a vida se tornou. Uma ideia que aos olhos dela parece tentadora, pois resolve tudo com uma tacada só, de maneira rápida e eficaz. O suicídio é mais comum do que a gente imagina. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), cerca de 800 mil pessoas se suicidam por ano em todo o mundo. Uma morte a cada 40 segundos. É também a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos.

O desejo de dar um golpe certeiro nessa dor extrema nunca é motivado por uma única causa, mas por uma combinação de vários fatores. Geralmente são pessoas que não se dão bem com as adversidades, aquelas que não conseguem se levantar depois de levar uma rasteira da vida. E permanecer no chão está além das forças delas. Quem abusa de álcool e de drogas também costuma ter mais pensamentos de morrer, pois as substâncias podem gerar alucinações ou sensação de perseguição. Assim como quem tem o transtorno de personalidade borderline e transtornos mentais como depressão e transtorno bipolar.

Dependendo do caso, quem não quer mais viver precisa ser internado. “Se o risco de suicídio é iminente, existe a indicação de internação para proteger a pessoa, porque na enfermaria de um hospital psiquiátrico ela vai ser cuidada e observada 24 horas por dias. Em casa, a família não dá conta de ficar 24 horas por dia tomando conta dela’, enfatiza Mario Louzã, psiquiatra do Programa Esquizofrenia do IPq – HC/FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

A delicada tarefa de ajudar

Nem sempre quem quer desistir da vida verbaliza sua intenção de forma clara. Por isso é tão importante prestar atenção aos pequenos detalhes, às mudanças de comportamento, mesmo que sejam sutis. E mais importante do que isso. É preciso ter empatia e sensibilidade para entender o que a pessoa está precisando naquele momento. Pode ser um colo, alguém que a ouça durante o tempo que for preciso ou que embarque em seu mundo sem julgamentos ou preconceitos. “A gente deve entrar com a pessoa mesmo que seja no lodo, no limbo existencial dela”, enfatiza Fukumitsu.

Em outras palavras, oferecer o ambiente acolhedor que ela tanto precisa e tratá-la com respeito e dignidade. Um bom começo é convidar a pessoa para uma conversa em um ambiente agradável. E de forma sincera perguntar onde está doendo, qual é o problema que ela não consegue resolver e se colocar à disposição para ajudá-la no que ela precisar. Frases como Estou com você. Você não está sozinho. Me ajude a te ajudar. Vamos juntos encontrar uma maneira de você sair dessa situação funcionam como uma injeção de ânimo para quem está sem energia. Para completar, é importante buscar procurar ajuda psicológica ou psiquiátrica.

Fukumitsu reforça a necessidade ouvir e legitimar o que a pessoa com pensamentos suicidas fala. “Quando ela não encontra esse escoamento, vai explodir ou implodir. Implosão, para mim, é o suicídio. Faço uma analogia do suicídio como um tsunami existencial. É um monte de coisas acontecendo”. Se nos lembramos de momentos difíceis que passamos, fica mais fácil ver o que a pessoa está passando. “Todos nós já tivemos falta de sentido na vida. Então se a gente sentiu, podemos oferecer uma escuta sensível para acessar qual é esse sofrimento”, afirma a psicóloga.

Nesse processo, é preciso dar tempo ao tempo, até para quem quer colocar um ponto final na vida perceber que precisa de ajuda. “A gente quer tirar a pessoa da dor, quer eliminar esse sofrimento. Só que ela não está pronta. O que faz a diferença é se aproximar com carinho e respeito. Não menosprezar nem supervalorizar o que a pessoa está sentindo, mas reconhecer que esse sofrimento tem um significado para ela”, analisa Batista. Para ele, mais do que um pedido de socorro, quem busca ajuda está se dando uma oportunidade, que não deve ser desperdiçada. Com o cuidado de quem faz parte do seu convívio e um tratamento adequado, ela pode interromper o caminho da autodestruição e ressignificar as emoções.

Entretanto, não é tão simples como pode parecer. Ninguém tem o poder de evitar mortes por suicídios. Até porque existem os impulsivos, que não dão pistas. Ou seja, aparentemente está tudo bem, às vezes a pessoa acabou de conquistar algo na vida, como um bom emprego. Ainda assim, quando ela sofre algum revés e se vê sem saída, pode se matar de uma hora para outra. O mesmo vale para os suicídios planejados. Muitas vezes se trata de alguém que tem uma rede de proteção, recebe tratamento e acaba dando cabo da própria vida. Quando isso acontece, quem fica jamais deve se responsabilizar, achando que podia ter impedido esse desfecho.

Para ajudar a conviver com essa dor, o CVV criou o GASS (Grupo de Apoio ao Sobrevivente do Suicídio). Os encontros reúnem sobreviventes de suicídio e familiares enlutados. Ao compartilharem suas experiências, as pessoas se sentem mais confortadas. Batista garante que perder alguém dessa maneira gera um luto mais traumático. “Podem ficar sentimentos de culpa, de que algo podia ter sido feito, de não ter prestado atenção. Às vezes a pessoa perdeu um ente querido há 10 anos e esses sentimentos continuam presentes”, relata.

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Para ler na íntegra, acesse: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/09/16/quer-ajudar-alguem-que-esta-pensando-em-se-matar-saiba-como.htm

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A psicóloga Karina Okajima Fukumitsu é autora de vários livros pela Summus. Conheça as obras relacionadas ao tema da matéria:

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SOBREVIVENTES ENLUTADOS POR SUICÍDIO
Cuidados e intervenções
Autor: Karina Okajima Fukumitsu

Segundo a Organização das Nações Unidas, a cada 40 segundos uma pessoa se suicida no planeta. São quase 800 mil casos de morte autoinfligida por ano. Esses dados alarmantes têm chamado a atenção de profissionais de saúde, educadores e responsáveis pela elaboração de políticas públicas. Porém, além de prevenir esse tipo de ocorrência, é preciso cuidar daqueles que enfrentam o suicídio de um ente querido: os sobreviventes.Maior especialista brasileira no tema, Karina Okajima Fukumitsu reúne neste livro anos de pesquisa e de trabalho de campo com mães, pais, irmãos e amigos de pessoas que se suicidaram, desvendando o processo de choque, dor, agonia e tristeza pelo qual passam. Denominando posvenção o cuidado específico com esse público, a autora aborda os impactos do suicídio, detalha as dificuldades emocionais enfrentadas pelos sobreviventes, aponta caminhos para ressignificar a dor, apresenta propostas de prevenção e propõe políticas públicas para transformar a impotência individual em potência coletiva.

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VIDA, MORTE E LUTO
Atualidades brasileiras
Organizadora: Karina Okajima Fukumitsu

Esta obra visa apresentar os principais cuidados e o manejo em situações-limite de adoecimento, suicídio e processo de luto, bem como reitera a visão de que, toda vez que falamos sobre a morte, precisamos também falar sobre a vida. Escrito por profissionais da saúde, este livro multidisciplinar atualiza os estudos sobre a morte, o morrer, a dor e o luto no Brasil. Destinado a psicólogos, médicos, assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais etc., aborda temas como: espiritualidade, finitude humana, medicina e cuidados paliativos; cuidados e intervenções para pacientes cardíacos, oncológicos e portadores de doença renal crônica; intervenção na crise suicida; pesquisas e práticas sobre luto no Brasil e no exterior; luto não autorizado; as redes de apoio aos enlutados; a tanatologia na pós-graduação.

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