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Criada para fomentar diversidade étnica e cultural, norma de 2016 que Weintraub cancelou nos últimos momentos como ministro era pouco conhecida
Artigo de Anna Carolina Venturini, Pós-doutoranda e pesquisadora do Afro-Cebrap,
publicado no jornal A Folha de S. Paulo / Educação, em 18/06/2020.
Nos últimos momentos antes de sua demissão, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou a portaria 545/2020 revogando a portaria normativa 13/2016, que versava sobre ações afirmativas na pós-graduação.
Como se sabe, a pós-graduação brasileira é composta predominantemente por pessoas brancas e reproduz desigualdades regionais e sociais, como a baixa participação da população negra, historicamente excluída das universidades brasileiras.
A norma de 2016 estabelecia que as instituições federais de ensino superior (Ifes) deveriam apresentar propostas sobre a inclusão de pretos, pardos, indígenas e estudantes com deficiência em seus programas de pós-graduação no prazo de 90 dias. O objetivo era incentivar a criação dessas políticas e, ao mesmo tempo, respeitar a autonomia universitária.
O curioso é que, diferentemente das políticas afirmativas da graduação, nas quais os beneficiários são principalmente os alunos de escolas públicas, na pós-graduação as ações têm por foco os pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, a fim de ampliar a diversidade étnica e cultural do corpo discente.
Não é novidade que o atual governo é contrário às políticas de equidade racial no ensino superior. No entanto revogar as leis de cotas dependeria de uma longa discussão no Congresso Nacional. Além disso, tal medida seria muito provavelmente considerada inconstitucional pelo STF, que já declarou a constitucionalidade das ações afirmativas em 2012 e 2017.
Evidentemente, os programas de pós-graduação e universidades continuam detendo autonomia para criar ações afirmativas para ingresso e permanência de determinados grupos. A revogação da portaria é, portanto, simbólica, mas se soma a outros atos contrários à ampliação da diversidade no ensino superior.
A gestão de Weintraub foi marcada por ataques à autonomia universitária e liberdade acadêmica.
Importante lembrar que, em 2019, o ministro bloqueou 30% das verbas do orçamento para custeio das universidades federais e cortou bolsas de mestrado e doutorado. Como a maioria dos programas exige dedicação exclusiva, a dificuldade de se dedicar somente à pesquisa sem uma fonte de renda levou muitos estudantes a abandonarem seus projetos ou desistirem de ingressar na pós-graduação, o que contribui para uma lamentável elitização de um nível educacional já bastante desigual.
A tentativa do ministro de “acabar” com as ações afirmativas na pós-graduação, contudo, talvez tenha um efeito contrário ao pretendido. Afinal, o tema não tinha tanta visibilidade se comparado com as discussões sobre cotas para graduação nos anos 2000. A revogação trouxe à luz uma política que muitos desconheciam e deu início a um debate que pode contribuir para que departamentos e colegiados comecem a estudar medidas inclusivas.
A despeito de não ter a mesma força normativa das leis de cotas na graduação e concursos públicos, a portaria foi interpretada como obrigatória por programas e universidades, que passaram a discutir o tema em seus colegiados e conselhos. O resultado é que, nos anos posteriores à sua publicação, a adoção de medidas inclusivas nos programas de pós-graduação aumentou muito.
Dados coletados em minha pesquisa de doutorado deixam claro o papel indutor da portaria. Em 2015, apenas três universidades haviam aprovado resoluções estabelecendo que todos os seus programas de pós-graduação deveriam ter ação afirmativa: a Uneb (Universidade do Estado da Bahia), que o fez em 2002; a UFG (Universidade Federal de Goiás) e a UFPI (Universidade Federal do Piauí), ambas em 2015. Em 2017, mais 14 universidades o fizeram.
O curioso é que, diferentemente das políticas afirmativas da graduação, nas quais os beneficiários são principalmente os alunos de escolas públicas, na pós-graduação as ações têm por foco os pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, a fim de ampliar a diversidade étnica e cultural do corpo discente.
Não é novidade que o atual governo é contrário às políticas de equidade racial no ensino superior. No entanto revogar as leis de cotas dependeria de uma longa discussão no Congresso Nacional. Além disso, tal medida seria muito provavelmente considerada inconstitucional pelo STF, que já declarou a constitucionalidade das ações afirmativas em 2012 e 2017.
Evidentemente, os programas de pós-graduação e universidades continuam detendo autonomia para criar ações afirmativas para ingresso e permanência de determinados grupos. A revogação da portaria é, portanto, simbólica, mas se soma a outros atos contrários à ampliação da diversidade no ensino superior.
A gestão de Weintraub foi marcada por ataques à autonomia universitária e liberdade acadêmica.
Importante lembrar que, em 2019, o ministro bloqueou 30% das verbas do orçamento para custeio das universidades federais e cortou bolsas de mestrado e doutorado. Como a maioria dos programas exige dedicação exclusiva, a dificuldade de se dedicar somente à pesquisa sem uma fonte de renda levou muitos estudantes a abandonarem seus projetos ou desistirem de ingressar na pós-graduação, o que contribui para uma lamentável elitização de um nível educacional já bastante desigual.
A tentativa do ministro de “acabar” com as ações afirmativas na pós-graduação, contudo, talvez tenha um efeito contrário ao pretendido. Afinal, o tema não tinha tanta visibilidade se comparado com as discussões sobre cotas para graduação nos anos 2000. A revogação trouxe à luz uma política que muitos desconheciam e deu início a um debate que pode contribuir para que departamentos e colegiados comecem a estudar medidas inclusivas.
Para ler na íntegra (assintantes do jornal ou do UOL), acesse: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/06/revogacao-joga-luz-sobre-politicas-afirmativas-na-pos-graduacao.shtml
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Quer saber mais sobre o assunto? Conheça alguns livros da Selo Negro que abordam o tema:
POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES AFIRMATIVAS
Consciência em Debate
Autor: Dagoberto José Fonseca
SELO NEGRO EDIÇÕES
As políticas públicas no Brasil sempre foram implementadas em benefício de uns e prejuízo de outros. Resgatando o passado histórico brasileiro da época do “descobrimento” até os dias recentes, o autor mostra que o Estado brasileiro deixou sistematicamente de lado negros e indígenas na constituição da sociedade democrática. Fonseca fundamenta, assim, a necessidade de ações afirmativas que resgatem a dignidade e a autonomia dos excluídos. A Coleção Consciência em Debate, coordenada por Vera Lúcia Benedito, pretende discutir assuntos prementes que interessam não somente aos movimentos negros como a todos os brasileiros. Fundamental para educadores, pesquisadores, militantes e estudantes de todos os níveis de ensino.
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RELAÇÕES RACIAIS E DESIGUALDADE NO BRASIL
Consciência em Debate
Autora: Gevanilda Santos
SELO NEGRO EDIÇÕES
Este livro apresenta o ponto de vista histórico das relações raciais e das desigualdades no Brasil, começando no século XIX e chegando aos dias de hoje. A autora mostra novos caminhos para uma educação antirracista e, sobretudo, para estimular seus valores intrínsecos: a igualdade das relações sociais, a consciência política da diversidade histórica, o respeito às diferenças – caminhos esses que nos conduzem à cidadania plena.
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O ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL
Consciência em Debate
Autor: Sidney de Paula Oliveira
SELO NEGRO EDIÇÕES
O Estatuto da Igualdade Racial reúne um conjunto de diretrizes para a igualdade de oportunidades e o combate à discriminação em virtude de raça/etnia. Além de abordar os dispositivos mais significativos do texto legal, esta obra analisa a importância do documento, os pontos que ficaram de fora quando de sua aprovação e as consequências desse marco fundamental para a igualdade racial no Brasil.
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AÇÕES AFIRMATIVAS EM EDUCAÇÃO
Experiências brasileiras
Autores: Cidinha da Silva, Cristiano Augusto da Silva, Eduardo Henrique Pereira de Oliveira, Fernando Arruda, Lucimar Rosa Dias, Rosane da Silva Borges, Rosângela (Janja) Araújo, Valéria Maria Borges Teixeira
SELO NEGRO EDIÇÕES
Este livro busca aprofundar o debate sobre as ações afirmativas, ampliando-o para além das cotas. São apresentados programas que visam garantir o acesso, a permanência e o sucesso de negros/as na universidade, possibilitando a realização do sonho de jovens que vivenciam processos estruturais de exclusão; são discutidas as metodologias de seleção de pessoas negras nesses projetos; são abordadas a África e a Afro-Ascendência na perspectiva da cultura construída pela matriz banto. Finalmente, são considerados os principais aspectos da discussão sobre as cotas para negros/as, especialmente o falso dilema – quem é negro/a no Brasil? – uma vez que, quando se trata de garantir direitos, a pessoa negra se desvanece na decantada miscigenação racial brasileira.