Texto parcial de reportagem de Djalma Campos, publicada originalmente no UOL, em 30/07/2020.
Único negro entre os 81 integrantes do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o advogado André Costa, de 48 anos, quer incluir mais negros na direção da instituição.
No início de julho, o advogado protocolou proposta para o órgão reservar 30% das vagas em seus conselhos (federal, estadual, subseções e caixas de assistências) para pretos e pardos por dez anos.
A proposta é que a entidade preencha cargos de suas diretorias e de todos os seus membros (titulares e suplentes) com advogadas e advogados negros.
“Imagine você chegar a um sindicato ou empresa e olhar para o lado e ver que só você é negro?
O advogado sugere que a entidade comece a praticar as mesmas ações que prega no país. Fundada em 1930, durante o governo de Getúlio Vargas, a ordem já defendeu ações como a constitucionalidade da reserva de vagas por critérios étnicos raciais (cotas raciais) no ensino público, em 2012, e também nos serviços públicos (incluindo as Forças Armadas), em 2017.
Mudança para a próxima eleição
Em texto de 40 páginas, o advogado pede ainda que a Secretaria-Geral da OAB, a Coordenação Nacional do Exame de Ordem e Fundação Getúlio Vargas identifiquem a quantidade de advogados que se autodeclararam negros entre os anos de 2010 e 2020.
“A próxima eleição da ordem é em 2021. Esperamos ter a possibilidade de mudar esta regra agora, para que em 2022 já exista uma nova composição com mais representatividade”, explica Costa.
A ideia das cotas raciais foi distribuída a três comissões da OAB — da Promoção da Igualdade, da Verdade da Escravidão Negra no Brasil e de Avaliação das Eleições. Todas têm prazo de 30 dias para se manifestar. Depois disso, a proposta segue para a área dedicada a Estudos Constitucionais e, de lá, vai ao Conselho Pleno do Conselho Federal da ordem.
O presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, pode optar por remeter a proposta a uma comissão ou enviar o texto diretamente ao plenário. No caso deste caminho, caberá ao Conselho Pleno e seus 81 integrantes dar resposta sobre a proposta das cotas – que deve ser aprovada até novembro para começar a valer nas eleições da OAB de 2021.
Para o advogado, a entidade deve olhar para si mesma e demonstrar, na prática, que também está mudando. Parafraseando a filósofa e ativista Ângela Davis, ele dispara: “Não basta à OAB não ser racista; tem que ser antirracista”.
Espaço de poder
Para o advogado, a OAB, “como maior entidade de classe do mundo’, precisa dar exemplo.
“Nenhum conselheiro federal ou estadual é racista. Mas o racismo estrutural, que abarca todas as relações sociais, econômicas, políticas e jurídicas traz dentro de si o racismo institucional. E a instituição não criou mecanismos para representar a diversidade da nossa sociedade
O advogado conta que causa estranhamento o fato de ainda não existir política de cotas dentro da OAB. Ainda mais porque a instituição tem grande atuação na sociedade, por indicar ministros, desembargadores e membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e promover ações para provar se uma norma é ou não constitucional.
“A OAB é um espaço de poder. É uma entidade de força, e é preciso que este espaço também seja constituído por negros e negras (…) Minha proposta é uma ‘oportunidade’ para a ordem promover a inclusão de negros e negras em sua direção. As mudanças que eu desejo do lado de fora, eu também quero ver acontecer internamente
George Floyd, Black Lives Matter e Luiz Gama
O advogado acredita que, após a morte de George Floyd (negro assassinado por policiais de Minneapolis, EUA, em maio) e a grande repercussão no mundo todo, é impossível ignorar a discussão das questões raciais. As mortes de jovens negros no Brasil, como a do menino João Pedro no Rio, também devem ser contestadas com maior veemência.
Ele diz que as reivindicações trazidas pelo movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) devem pesar na decisão da OAB sobre as cotas para negros em seus quadros.
Para o advogado, essa discussão só é possível porque o caminho vem sendo construído por figuras como a filósofa Sueli Carneiro, o sociólogo Florestan Fernandes (“enfrentou as questões raciais no Brasil e destruiu o mito de democracia racial”), assim como o dramaturgo Abdias Nascimento, a antropóloga Lélia Gonzalez e o rapper Mano Brown.
O advogado diz ter buscado inspiração e referências em nomes da história da raça negra para formular sua proposta, principalmente no advogado e abolicionista Luiz Gama (1830/1882). “Gama não foi apenas um advogado. Foi escravizado e responsável pela libertação da mais de quinhentos escravizados”, explica.
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Para ler na íntegra, acesse: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/07/30/unico-negro-dos-81-conselheiros-federais-propoe-cotas-raciais-para-a-oab.htm
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Você pode saber mais sobre algumas das personalidades mencionadas na matéria com a coleção Retratos do Brasil Negro, da Selo Negro edições:
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LUIZ GAMA
Retratos do Brasil Negro
Autor: Luiz Carlos Santos
Não faríamos favor algum a Luiz Gama se o comparássemos a Zumbi dos Palmares na disposição de luta que teve contra a escravidão. Filho de uma guerreira negra, Luiza Mahin, e de um senhor de engenho, Gama é protagonista de uma das mais interessantes histórias de vida, que tem como pano de fundo a presença negra no Brasil.
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SUELI CARNEIRO
Retratos do Brasil Negro
Autora: Rosane da Silva Borges
Este é o relato da trajetória de Sueli Carneiro, ativista antirracismo do movimento social negro brasileiro. Feminista e intelectual, fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, Sueli é uma das personalidades políticas mais instigantes da atualidade. Entender sua história de vida, suas influências e as mudanças concretas geradas por sua militância é compreender parte do cenário espacial, político e geográfico do movimento social negro contemporâneo.
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ABDIAS NASCIMENTO
Retratos do Brasil Negro
Autora: Sandra Almada
Dramaturgo, ator, acadêmico, político, artista plástico, poeta. Abdias Nascimento pertence à elite dos grandes intelectuais engajados nas lutas libertárias dos negros em âmbito mundial – e também na difusão do pan-africanismo. Esta biografia recupera a vida e a obra de Abdias, resgatando as origens da combatividade desse militante respeitado nacional e internacionalmente, para quem o racismo é “a forma assumida pela opressão que mantém na miséria milhões de africanos e afrodescendentes”.
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LÉLIA GONZALEZ
Retratos do Brasil Negro
Autores: Alex Ratts, Flavia Rios
Obra que versa sobre a trajetória de vida, a produção intelectual e o ativismo político de uma das maiores lideranças do movimento negro brasileiro do século XX. Através da biografia de Gonzalez, os autores deixam entrever o processo de abertura democrática, revelando ainda a construção de identidade coletiva de segmentos excluídos da política nacional, notadamente os negros e as mulheres.
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