Artigo de Luciano Melo, publicado originalmente em sua coluna
na Folha de S. Paulo, em 11/01/2019.
Cientista ajudou na superação da teoria de que todas as áreas cerebrais participam de todas atividades do órgão
Um senhor de meia-idade subitamente parou de falar normalmente. Ainda assim, conseguiu chamar a atenção de sua esposa. A mulher o levou ao hospital, porque estava claro que se tratava de algo sério. O atendimento foi rápido, e o médico responsável percebeu que o paciente compreendia tudo o que lhe era dito. A fala do enfermo era sofrível, monossilábica, lenta, sem frases e produzida com grande esforço. Trocava letras em sílabas, trocava sílabas em palavras. O paciente também não conseguia dar nome aos objetos que lhe eram sucessivamente apresentados. Sua escrita era tão deficiente quanto seu discurso.
Não foi difícil para o médico perceber que o homem estava com um problema conhecido como afasia de Broca. O termo afasia vem do grego e significa dificuldade em falar. O nome homenageia o antropólogo, anatomista e cirurgião francês Paul Pierre Broca.
Após avaliar um idoso que deixara de falar subitamente, Broca descreveu em 1861 o distúrbio de linguagem que levaria o seu nome. Ao avaliar o cérebro de seu paciente, notou a existência de lesão no lobo frontal do hemisfério esquerdo. Em outras necropsias que realizou em pacientes com os mesmos sintomas, viu danos nas mesmas regiões nos respectivos lobos frontais.
Assim, o anatomista, foi o primeiro a concluir que determinada parte do encéfalo possuía função específica para a linguagem. E disse que uma pequena parte do lobo frontal esquerdo era responsável por organizar frases, emitir palavras e dar fluência à fala. Assim, o médico anunciou: nós falamos com o hemisfério esquerdo!
A região do lobo frontal esquerdo que Broca se referiu foi batizada com seu nome.
O cientista auxiliou a medicina a superar a teoria holística cerebral, que afirmava que todas as áreas cerebrais participavam de todas as atividades do órgão. Dessa forma, uma lesão encefálica afetaria todas as funções cognitivas igualmente e cada região cerebral seria capaz de realizar todo e qualquer processo mental, desde o reconhecimento de um som específico à capacidade de saber que aquele borrão desenhado pelo seu filho é um tigre.
A hipótese holística imperava naquela época. Era a soma de conceitos que rejeitavam que a mente poderia ser reduzida à atividade encefálica, que o cérebro de qualquer pessoa poderia ser exercitado e treinado, que não existia alma física. Era defendida pelo clero e pela aristocracia europeia daquele século.
Broca promoveu um rompimento. E inaugurou a neuropsicologia, a ciência do processo mental, um campo de conhecimento que evoluiu e pelo qual podemos compreender funções cerebrais complexas por meio de exames, como ressonâncias funcionais. Assim, podemos estudar o cérebro vivo de forma segura.
Voltemos ao nosso paciente do parágrafo inicial, que foi submetido a ressonância de encéfalo. As imagens, porém, não revelaram problema algum em todo o cérebro, ainda que os sintomas persistissem.
Estaríamos diante de uma exceção a Broca?
A avaliação prosseguiu e revelou um tumor que comprimia a carótida esquerda, artéria que nutre a área de Broca, entre outras partes cerebrais. O sangue que chegava a essa região era escasso, por isso a disfunção da linguagem.
O motivo pelo qual outras funções cerebrais não foram afetadas, como seria o esperado, ficou como mistério não resolvido. O tumor era um linfoma, e o paciente foi tratado e curado. Sua fala se recuperou por completo. E os conceitos que vieram com Paul Pierre Broca ajudaram a resolver um grande problema.
Luciano Melo – Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.
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Para ler na íntegra, acesse https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luciano-melo/2019/01/a-descoberta-de-que-nosso-hemisferio-cerebral-esquerdo-fala-por-nos.shtml
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CÉREBRO ESQUERDO, CÉREBRO DIREITO
Autores: Sally P. Springer, Georg Deutsch
SUMMUS EDITORIAL
Já considerado um clássico no estudo das potencialidades cerebrais. Em uma edição atualizada, os autores apresentam as descobertas básicas na área da assimetria cerebral, procurando separar os fatos comprovados daquilo que é mera especulação. Escrito para um público amplo, apresenta conclusões científicas de forma clara para o leigo, sem comprometer a precisão e a complexidade dos tópicos analisados.