Matéria de Jacqueline Elise, publicada originalmente no UOL Universa,
em 23/01/2019.
A designer gráfico Carolina Schmitz, de 39 anos, ainda chora ao lembrar de sua primeira gravidez. Em 2013, com quase três meses de gestação, ela foi realizar o primeiro ultrassom, mas encontrou só silêncio: o saco gestacional era muito pequeno e não havia batimentos cardíacos. Por conta do pouco tempo, pediram para que ela aguardasse mais dez dias para refazer o exame e ver se o feto teria batimentos da próxima vez.
Uma semana depois, Carolina teve um sangramento e voltou ao hospital. Lá, ela descobriu que tinha sofrido um aborto espontâneo. Não bastasse a notícia, ela foi atendida na ala da maternidade, dividindo espaço com outras mulheres que estavam lá para, enfim, ter seus bebês. “Passei o dia todo naquele lugar me sentindo sozinha, como se ninguém pudesse me ver”, relata.
O caso de Carolina é muito comum. Por se tratar de um procedimento obstétrico, o atendimento a mulheres em processo de abortamento é feito em hospitais que dispõem de maternidade, para que os especialistas cuidem dos casos. Mas pode acontecer de parturientes e gestantes sofrendo um aborto espontâneo serem atendidas na mesma área, sem separação de ambientes.
D. F.*, de 42 anos, também passou por isso, e mais de uma vez. O primeiro caso aconteceu aos 35 anos: ela perdeu seu filho, recomendaram que ela aguardasse o processo se concluir naturalmente, mas, no fim, precisou realizar a sucção dos restos embrionários, a curetagem — e na mesma ala em que também eram feitos os partos.
Na segunda vez, a situação se repetiu. “Das coisas mais doloridas na experiência da curetagem, me lembro do choro das crianças nascendo no centro cirúrgico ao lado, de passar pelos bebês recém-nascidos, de ser chamada de ‘cureta’ pela enfermagem”, diz.
Frieza no atendimento também afeta as mulheres
D. relata que, na primeira vez que sofreu um aborto espontâneo, o tratamento distante dos médicos não ajudou. “Eu sei que eles trabalham com um número grande de pessoas, mas não precisa desumanizar tanto”.
A artista plástica Ana Pires, 29 anos, de São Paulo (SP), estava em uma viagem à Bahia quando descobriu que estava grávida. Logo que voltou ao seu estado para iniciar o pré-natal, ela teve um sangramento. Ana estava em processo de abortamento espontâneo, mas foi aconselhada a esperar o feto “sair sozinho” em casa. Demorou uma semana até expelir tudo, e ela alega que o tratamento no hospital foi muito “frio”.
Hoje, as três mulheres tiveram filhos após as experiências de abortamento, mas todas acreditam que poderia ter sido menos traumático se tivessem acompanhamento humanizado e atendimento psicológico, especialmente porque foram aconselhadas a aguardar o abortamento acontecer naturalmente, em casa, e receberam conselhos que pouco ajudaram a apaziguar a dor. “Não ajuda ficar dizendo ‘é normal perder filho, a fulana perdeu oito vezes antes de vingar um'”, diz Carolina.
Atender na maternidade é necessário, mas pode haver alas divididas no hospital
Janaína Motta, ginecologista, obstetra e colposcopista de São Paulo (SP), explica que existem um caso é classificado como aborto espontâneo quando ele ocorre até a 20ª semana de gestação. Existem dois tipos de aborto: o ativo, no qual a mulher tem um sangramento indicando que o processo já está acontecendo; e o retido, no qual ela não tem sintomas explícitos e é necessário fazer a curetagem. Em ambos os casos, as pacientes precisam ser tratadas na ala obstétrica dos hospitais.
“Quando a mulher em abortamento é atendida numa área obstétrica, é necessário uma equipe médica multidisciplinar composta por ginecologistas e obstetras, enfermeiros, assistente social e psicólogos, para que ela possa ter um apoio”, explica a especialista. Ela afirma que, em geral, os hospitais separam as parturientes das pacientes tendo um aborto, mas reconhece que “em hospitais com estruturas menos adequadas, infelizmente elas estarão misturadas com outras mulheres que acabaram de ter seus bebês”.
Maria Eugênia de Santi, especialista em reprodução assistida e responsável pelo departamento de planejamento familiar do Hospital Pérola Byington, em São Paulo (SP), afirma que a separação de alas “não é sempre prioridade dentro da administração do hospital”. “Um hospital que só funciona como maternidade recebe também pessoas que estão fazendo cirurgias. Ele poderia privilegiar uma área não relacionada ao parto, onde mulheres que farão cirurgias ginecológicas, como retirada de miomas e histerectomia, e mulheres em abortamento poderiam ficar”, pensa.
Preciso de apoio: o que fazer?
Ambas as médicas já sofreram, também, um aborto espontâneo. Santi diz: “Quando você perde o bebê, mesmo que seja no comecinho, na sua imaginação, ele já é grande, tem um quarto, roupinhas. E quando você vai para o corredor onde todas as portas têm as plaquinhas com enfeites, e a sua porta indica uma situação de insucesso, é traumatizante”, relata.
Ela afirma que, no seu caso, foi aconselhada e ir para casa e esperar o aborto acontecer, mas se recusou. “A curetagem tem seus riscos, ela pode machucar o colo do útero, por isso recomendam que aguardem. Mas eu pedi para minha médica fazer a curetagem, porque eu não ia aguentar passar pela espera. Isso é uma opção, a paciente pode solicitar que o procedimento seja feito, sim”.
Motta também salienta que a mulher em abortamento pode solicitar atendimento psicológico para lidar com a situação e minimizar a dor. “O atendimento médico tem que ser o mais humanizado possível para que ela se sinta confortável e segura neste momento. O fundamental é este apoio psicológico e emocional por parte dos médicos e da assistência social, ou ala de Psicologia do hospital”. Caso a paciente sinta que foi prejudicada durante o atendimento, é recomendado que ela procure a ouvidoria.
Por fim, Santi afirma que compartilhar histórias e encontrar grupos de apoio é o melhor remédio para a dor emocional. “Tem a questão do luto gestacional, mas também há muito medo de engravidar e perder de novo, de descobrir algum problema de saúde. Por isso é importante conversar com quem passou por isso”, pensa.
Para ler na íntegra, acesse:
https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2019/01/23/aborto-espontaneo-a-tristeza-de-perder-um-filho-e-ficar-na-maternidade.htm
***
Se você tem interesse pelo tema do luto gestacional, conheça os livros do Grupo Summus que falam sobre o assunto:
ABORTO ESPONTÂNEO
Guias Ágora – Esclarecendo suas dúvidas
Autora: Ursula Markham
EDITORA ÁGORA
A perda de um bebê em formação é uma experiência devastadora para a mulher. Ela não só terá de lidar com a dor e a frustração, mas também com a ansiedade em relação a uma futura gravidez. Este simpático guia oferece conforto, conselhos práticos, segurança nos próximos passos.
.
MATERNIDADE INTERROMPIDA
O drama da perda gestacional
Autora: Maria Manuela Pontes
EDITORA ÁGORA
Por vezes o ciclo da vida inverte-se: morre-se antes de nascer. Estará a sociedade civil consciente da fragilidade da maternidade e do vigor desse sono eterno que nos desvincula da existência? Este livro denuncia os processos da dor e do luto em mulheres que enfrentaram o drama da perda gestacional. São testemunhos reais de uma dura realidade que, silenciosa, clama por ser ouvida.
Prefácio de Maria Helena Pereira Franco.