Texto de Patrícia Brito, publicado no blog Namastê,
na Folha de S. Paulo, em 22/03/2019

 

A mesma cultura védica onde surgiu a ioga também nos deixou, há cerca de 7.000 anos, o conhecimento do Ayurveda, ou a ciência da vida –reconhecida na Índia como um dos sistemas oficiais da ciência médica, praticada ao lado da medicina moderna como um meio de se alcançar a boa saúde e a longevidade.

Com mais ênfase na prevenção de doenças e na compreensão de suas causas do que no tratamento dos sintomas, a medicina indiana considera que a saúde humana é resultado da constante interação existente entre corpo, mente e alma (ou consciência).

O Ayurveda entende que o corpo físico-mental é formado por uma combinação de três humores biológicos, os chamados “doshas”. São eles: “vata”, “pitta” e “kapha”, que correspondem, respectivamente, aos elementos ar, fogo e água. Cada um desses elementos, por sua vez, correspondem a características físicas e psicológicas presentes no organismo.

Uma pessoa com predominância de “vata”, por exemplo, tem propensão a estar em movimento, tendência à agitação mental e facilidade para acúmulo de gases. Já alguém constituído principalmente por “pitta” tem a função digestiva trabalhando em excesso, com facilidade a desenvolver distúrbios gástricos, tendência ao calor e ao temperamento “esquentado”. O “kapha”, por sua vez, ligado ao elemento água, tende a ser mais emotivo e apresentar excesso de líquidos e muco no corpo.

Segundo esse sistema, cada pessoa nasce com uma combinação diferente entre os três “doshas”, onde pode haver predominância de um ou dois deles, ou ainda equidade entre os três. Mas quando a proporção natural de um indivíduo é alterada, surgem os desequilíbrios que podem resultar em doenças.

Um dos objetivos do Ayurveda, portanto, é harmonizar os elementos “vata”, “pitta” e “kapha” no organismo. Isso não significa necessariamente mantê-los na mesma proporção, mas restabelecer a composição natural de cada indivíduo.

Para tanto, vale-se das propriedades terapêuticas de ervas e alimentos, além da criação de uma rotina adequada a cada constituição individual e que pode incluir, além de dieta, atividades corporais, massagens com óleos, meditação e mantras, entre outras práticas.

Cada vez mais conhecida no Ocidente, apesar de não ser considerado aqui uma medicina oficial como na Índia, o sistema médico do Ayurveda foi retratado no documentário “O Médico Indiano”, de Jeremy Frindel, atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros.

PROPÓSITO ESPIRITUAL

Apesar da importância da alimentação equilibrada e de uma rotina adequada à constituição de cada indivíduo, terapeutas ayurvédicos acreditam que isso ainda não é suficiente para restabelecer e sustentar um estado de saúde no longo prazo.

Para o professor e terapeuta americano David Frawley, a primeira etapa de um tratamento é a compreensão de que cada vida tem um propósito espiritual e um papel no desenvolvimento da humanidade, e que viver sem harmonia com esse propósito pode se refletir em desequilíbrios na mente e no corpo.

“Isso implica buscar o caminho espiritual da forma que mais se aplica à natureza de cada um”, afirma no livro “Ayurvedic Healing” (Tratamento Ayurvédico). “Chamamos esse processo de primeiro tratar a alma, lembrando que por alma, em ioga, entendemos nossa consciência interior”.

Para a medicina indiana, se somos uma combinação de matéria, mente e consciência, as doenças devem ser entendidas como resultantes não apenas de fatores fisiológicos, mas também mentais e espirituais. Por isso, quem segue os ensinamentos do Ayurveda enxerga nas doenças um alerta e um convite para refletir sobre suas escolhas de vida e atitudes de forma mais ampla.

Segundo Frawley, as doenças podem ser um sinal de maus hábitos do corpo, mas também podem indicar que estamos desperdiçando nossa energia espiritual. Ele recomenda, portanto, não apenas tratarmos as doenças, mas usá-las como meio para nos observarmos e identificar de onde surge nosso desequilíbrio. “Quando alcançamos essa comunhão com nossa consciência interior, recuperamos a harmonia e a disposição para superar todas as dificuldades externas”, afirma no livro.

DE QUEM É A CULPA

Outra regra básica do Ayurveda é a compreensão de que não podemos responsabilizar ninguém mais pelo nosso bem estar, a não ser nós mesmos. Os médicos e terapeutas são vistos, nesse sistema, como profissionais com um papel temporário de nos trazer de volta ao ponto onde podemos nos cuidar adequadamente.

O entendimento é o de que devemos assumir a responsabilidade pela nossa própria saúde, em vez de deixá-la apenas nas mãos de médicos ou remédios. “Não há substituto para uma vida equilibrada. Isso não pode ser comprado por preço algum, e ninguém mais pode nos oferecer”, escreve Frawley.

“Um dos problemas da cultura moderna é que ela nos priva de tempo para cuidarmos de nós mesmos. Encontramo-nos num processo de gastar energia, mas não de renová-la. Entretanto, se realmente valorizamos nosso bem-estar, vamos encontrar esse tempo. A responsabilidade é nossa e não há ninguém que possamos culpar se não fizermos esse esforço.”

Para ler na íntegra, acesse: https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2019/03/22/antes-de-curar-o-corpo-medicina-indiana-busca-tratar-a-alma/

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