A proposta para a área de ciências naturais do ensino fundamental na atual versão da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), do Ministério da Educação, adota uma abordagem “pé no chão” que pode funcionar bastante bem se aplicada com conhecimento de causa e criatividade.

O currículo esboçado no documento se concentra numa diversidade relativamente pequena de temas, privilegia a contextualização e evita a necessidade de experimentos caros e complicados.

Do ponto de vista programático, o documento acerta em cheio ao destacar a necessidade de “reconhecer múltiplas possibilidades de interpretação dos fenômenos da natureza, no sentido de desafiar a noção de ciência como verdade absoluta, baseada exclusivamente em fatos comprovados”.

Também há diversas menções ao trabalho de elaborar e testar empiricamente hipóteses, um dos cernes do método científico. O desafio é incorporar essa visão ao cotidiano da classe, evitando que, na prática, os alunos acabem apenas aceitando passivamente as conclusões prontas apresentadas pelo professor.

Ainda quanto à visão geral que dá base à proposta, é elogiável a disposição de abordar fenômenos da astronomia, da biologia ou da geologia a partir do cotidiano dos alunos, e de ressaltar a importância do método e do conhecimento científicos como ferramentas de cidadania.

A base desse ponto de vista é praticamente inatacável: numa sociedade tecnológica como a nossa, na qual a riqueza e a qualidade de vida dependem de descobertas científicas, as quais também criam uma série de dilemas éticos e políticos, é crucial que a população entenda como a ciência funciona, ao menos de maneira geral.

Só assim é possível tomar decisões fundamentadas sobre temas complexos, como os riscos de novas formas de energia ou a eficácia de uma suposta droga milagrosa contra o câncer.

POUCOS E BONS ALVOS

Tradicionalmente, as aulas de ciências naturais se intensificam na segunda metade do ensino fundamental (a qual, no sistema adotado hoje no país, corresponde ao período que vai do sexto ao nono ano escolar). É nessa fase do ensino que os alunos passam a ter um professor dedicado exclusivamente a ensinar ciências -o que também acontece com outras disciplinas.

A questão é que um só professor, na verdade, é pouco para a potencial diversidade de temas da área, e a tentação de atirar para todos os lados sem acertar nenhum alvo para valer é enorme. Para resolver esse dilema, a atual versão da Base Nacional Comum Curricular, do MEC, aposta em alguns poucos temas. Vários têm relevância prática imediata, como o funcionamento do corpo humano, micro-organismos ou a natureza do solo; outros estão na base de grandes áreas do conhecimento.

Esse é o caso da teoria da evolução, princípio organizador de toda a biologia que recebe merecido destaque. A falta de bons laboratórios (ou mesmo de qualquer laboratório) é, como se sabe, um dos grandes entraves ao ensino de ciências no país. O currículo proposto não tenta bater de frente com essa limitação básica.

As sugestões que o documento faz em relação a experimentos são quase sempre simples, como as tradicionais demonstrações do funcionamento do Sistema Solar e das estações do ano, que podem ser feitas facilmente com bolas de futebol e uma lanterna, digamos.

Talvez a grande ironia em relação à boa proposta para o ensino fundamental seja a possível falta de articulação dela com o que virá mais tarde, já que a atual proposta de reforma do ensino médio não prevê que as disciplinas de ciências naturais (física, química e biologia) sejam oferecidas a todos os alunos, mas apenas aos interessados.

Nesse caso, não haverá oportunidade de aprofundar temas importantes justamente quando os adolescentes alcançarem capacidade cognitiva para entendê-los melhor. E isso terá um impacto negativo para a meta de criar cidadãos cientificamente alfabetizados, que sejam capazes de tomar decisões bem informadas sobre o mundo deste século 21.

Matéria de Reinaldo José Lopes, publicada originalmente na Folha de S. Paulo, em 16/10/2016. Para lê-la na íntegra, acesse: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/10/1823229-base-de-ciencias-deve-esbarrar-em-plano-para-ensino-medio.shtml 

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