Matéria da RFI, publicada no portal Universa , do UOL, em 25/07/2018.
O Brasil é o segundo país onde mais se realizam cirurgias plásticas, perdendo apenas para os Estados Unidos. Casos de brasileiras que morreram vítimas de cirurgias plásticas malsucedidas ocupam as páginas dos jornais todas as semanas. Na maioria desses tristes episódios, as histórias se repetem: as pacientes confiaram em procedimentos inadequados e médicos desqualificados e pagaram com suas vidas o sonho do corpo perfeito.
A ditadura da beleza no Brasil é um fenômeno que penaliza, mas que também banaliza, avalia o sociólogo especialista em Saúde Pública, Francisco Romão Ferreira, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “Há uma preocupação excessiva com o corpo. Não só em termos de cirurgias plásticas, mas a quantidade de academias, salões de beleza e de farmácias no Brasil é algo gritante quando você compara com outros países. E essa preocupação estética está naturalizada no cotidiano e não para de crescer”, observa.
A necessidade de exibir um corpo perfeito e jovem acabou também por banalizar operações estéticas, como implantes de silicone, lipoaspirações, lifts faciais – frequentemente apresentados por clínicas como procedimentos simples, facilitados por pagamentos parcelados ou até consórcios por operadoras de crédito. “Essas operações são vendidas como descomplicadas e rápidas. Revistas sobre plásticas que podem ser compradas em bancas de jornais dão uma ideia irreal sobre esses procedimentos, como se você fosse fazer uma cirurgia no meio da semana pra ir na festa no sábado. Infelizmente tem público que acredita nessas promessas”, salienta o sociólogo.
Ferreira avalia que diversos fatores contribuem para este fenômeno no Brasil, um país com uma grande extensão litorânea, onde a maioria das capitais estão próximas da costa, onde faz calor em boa parte do ano e a cultura da praia é muito intensa. Além disso, o corpo, muitas vezes, é o principal bem dos brasileiros. “Em um país com uma desigualdade social muito grande, o físico é um capital para a ascensão social. Quando acesso ao ensino e à educação são bloqueados, o corpo vira uma possibilidade de evoluir socialmente”, diz.
Mas para o sociólogo não há dúvidas que a busca desenfreada da estética não é um fenômeno que diz respeito apenas a determinadas classes, mas é constatada entre pobres e ricos. Ele lembra, por exemplo, que nas favelas brasileiras, salões de beleza e academias têm forte presença.
As classes mais abastadas, por outro lado, se engajam em fenômenos da moda, como a recente febre do crossfit ou das corridas, que, por trás de atividades físicas, desenvolvem novos mercados, serviços e produtos imperativamente a serem adquiridos. “Em todas as camadas sociais, o sentido da existência se volta para o corpo”, afirma.
Vagina não escapa de padrão estético
Peitos, nádegas, rosto, barriga, coxas e até mesmo os lábios vaginais não escapam os ideais de beleza impostos pela sociedade. O Brasil é aliás, o país onde mais se realizam cirurgias estéticas íntimas, seja para estreitar o canal vaginal, diminuir os grandes lábios ou retirar gordura do púbis.
“No Brasil, existe um padrão estético da vagina perfeita: simétrica, rosa ou branca, sem pelos, sem excesso de gordura”, diz Marcelle Jacinto da Silva, doutoranda em Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), que trabalha sobre a questão em sua tese. Com outros dois pesquisadores, ela assina o artigo científico “A vagina pós-orgânica: intervenções e saberes sobre o corpo feminino acerca do embelezamento íntimo”, que trata das cirurgias íntimas realizadas por mulheres brasileiras.
No total, a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps) aponta que 13 mil labioplastias foram realizadas em 2016 no Brasil, com um aumento de 39% em relação ao ano anterior. Segundo especialistas, a maioria desses procedimentos não é realizada por uma questão funcional, mas puramente estética.
Para Marcelle Jacinto da Silva, esse ideal da vagina perfeita é primeiramente imposta pelas mídias, mas também pela indústria pornográfica, cujos conteúdos passaram a ser facilmente acessados na era da internet. Mas o que motiva essas mulheres a se submeterem à dolorida e, muitas vezes desnecessária cirurgia íntima, é o desejo de maridos, namorados e parceiros sexuais.
“Eu tenho encontrado muitos depoimentos de mulheres que falam que o pesou mais na escolha desta opção foi a visão do homem. Muitas delas alegam ter passado pelo procedimento por uma vontade própria, mas ao mesmo tempo alegam que o realizaram porque sentiam vergonha se mostrar sua genitália para o parceiro”, afirma a doutoranda.
A necessidade de agradar o parceiro alimenta fetiches masculinos, avalia Ferreira. “Há um tempo atrás, fiz uma série de entrevistas com mulheres que fizeram cirurgias plásticas, a maioria malsucedidas. Várias afirmaram que elas se submeteram a esses procedimentos por causa do parceiro. Para todas, essa era uma vontade única e exclusiva delas. Para todas, essa era uma vontade única e exclusiva delas. O que elas não se dão conta é que a motivação delas está pautado pelo olhar do outro.”
Segundo o sociólogo, mesmo que o padrão de beleza no Brasil tenha evoluído – passando das formas curvilíneas às mais fitness – no imaginário da sociedade, “o bumbum ainda é preferência nacional”. No entanto, ele lembra que as exigências do corpo perfeito mudam de acordo com as classes sociais. “Entre a classe média e classe média alta, o padrão valorizado é o da mulher com o corpo bem definido, mas magro. Mas entre as classes populares, a estética Mas entre as classes populares, a estética é outra: “o estereótipo da ‘gostosa’, com coxas, bumbum e peitos grandes, é mais valorizado”.
…
Esta é uma reprodução parcial. Para ler a matéria na íntegra, acesse: https://universa.uol.com.br/noticias/rfi/2018/07/25/do-bumbum-a-vagina-por-que-as-brasileiras-sao-obcecadas-por-plasticas.htm
***
Tem interesse no tema? Conheça:
A BELEZA IMPOSSÍVEL
Mulher, mídia e consumo
Autora: Rachel Moreno
EDITORA ÁGORA
A quem interessa vender uma beleza inalcançável? De que maneira a mídia manipula nossa consciência em nome dos interesses do mercado? Quais são as conseqüências para as adolescentes de hoje? Onde entram as “diferentes” – gordinhas, velhas, negras – nesse sistema? Rachel Moreno responde a estas e outras perguntas neste livro vigoroso e crítico, apontando caminhos para que possamos nos defender dessas armadilhas.