Matéria de Matheus Alleoni publicada originalmente no iG Saúde, em 13/01/2019.
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Notícias falsas, medo de efeitos colaterais e luta por liberdade individual são motivações do grupo que ameaça a saúde de milhões de crianças pelo mundo
A onda de notícias falsas que invadiu os debates políticos nos últimos anos vai, aos poucos, proliferando-se para outras áreas. E a ciência não é exceção. Um dos maiores exemplos disso é o crescimento do movimento antivacina, que cada vez mais. conquista pais e mães mal informados ao redor do mundo.
O movimento antivacina , ou Anti-Vaxxers, como o grupo ficou conhecido nos Estados Unidos, é contra a imunização e reúne pessoas com diversas motivações para odiar as vacinas. Para alguns, a vacinação pode causar autismo e outras doenças. Outros rejeitam a vacinação por motivos religiosos. Também existem aqueles que acham que os ingredientes das injeções não são “naturais” o suficiente.
Pegando carona com as redes sociais e o clima político divisivo, o movimento voltou a crescer na última década, em especial no Estados Unidos. O resultado? O estado de Nova York já vive seu maior surto de sarampo desde 1990. Foram 170 casos reportados de setembro do ano passado até janeiro e, segundo o governo do estado, a culpa é dos Anti-Vaxxers .
Para entender o movimento, seus adeptos e a série de consequências que o fez tão relevante em pleno 2019, no entanto, é preciso explicar suas origens, suas principais influências e seus perigos. Leia, abaixo, tudo o que você precisa saber sobre os Anti-Vaxxers.
A primeira vacina catalogada no mundo foi inventada por Edward Jenner que, em 1796, criou um método de imunização para a varíola, primeiro em vacas e depois em seres humanos. Já no século XIX surgiram os primeiros céticos em relação à eficácia e aos possíveis efeitos colaterais da imunização.
A técnica ainda era experimental e causava dúvidas em muitos, inclusive em pessoas de dentro da comunidade científica. A inoculação (ato de injetar o vírus em algum organismo para desenvolver a vacina) era feita em humanos e o processo de coleta do vírus vinha diretamente de feridas de infectados. Nesse caso, o ceticismo fez bem e ajudou no avanço das técnicas de imunização.
Após a vacina de Jenner ser fundamental no combate ao surto de varíola do século XIX, o francês Louis Pasteur desenvolveu uma téncica para deixar os vírus atenuados enquanto criava a vacina antirábica em 1885.
Ainda assim, boa parte da sociedade ainda tinha dúvida em relação à imunização. Sempre empurrados pela desconfiança de parte da sociedade, os pesquisadores da área foram avançando. Primeiro, veio a aprovação da comunidade médica, que passou a reconhecer a imunologia como um braço da prática. A vacina BCG, de 1909, combateu o tuberculose. Já em 1940, cientistas brasileiros conseguiram desenvolver a vacina contra a febre amarela.
Em 1955, um dos maiores avanços da história da medicina: a invenção da vacina contra a poliomielite, que assolava recém-nascidos de todo o mundo. Hoje, a doença está praticamente erradicada . A desconfiança, no entanto, não acabou.
Surgiram, ainda no século XIX, as Anti-vaccination Leagues no Reino Unido. Na época, o país criou uma lei que tornava mandatória a imunização de crianças. Já nesse período, era possível ver que o grupo antivacina era bastante dividido: além daqueles que não acreditavam na imunização e temiam supostos efeitos colaterais, havia os que não queriam vacinar os filhos por motivos religiosos. A Igreja Católica chegou a se posicionar contra as vacinas
Os Anti-Vaxxers e as fake News
Depois de ficar dormente por algumas décadas, o movimento antivacina voltou a aparecer com força nos anos 70. Dessa vez, os religiosos fanáticos e aqueles que não acreditavam nos efeitos da imunização ganhavam a companhia de outro grupo: os adeptos dos produtos naturais. No auge do movimento hippie, muitos norte-americanos pararam de imunizar seus filhos pois consideravam o método artificial demais.
Outro fato que ajudou a esquentar o debate aconteceu na Inglaterra: 36 crianças acabaram tendo uma série de sequelas neurológicas após tomarem a vacina contra difteria, tétano e coqueluche. O caso foi bastante divulgado pela imprensa e rendeu até documentário. Alguns pais chegaram a processar o estado, mas acabaram perdendo na Justiça pois a relação entre as vacinas e as sequelas jamais foi confirmada.
Se um caso duvidoso já fez estrago nos anos 1970, foi em 1998, ainda antes do termo ‘fake news’ ser cunhado, que a indústria da imunização sofreu o seu mais duro golpe, que reverbera até os dias de hoje. Uma pesquisa publicada pelo Dr. Andrew Wakefield na The Lancet , uma das mais respeitadas publicações sobre medicina do Reino Unido, tentava comprovar a relação entre a vacina para sarampo, rubéola e caxumba e casos de autismo em crianças.
Ao longo dos anos, a teoria do médico, que nunca foi aceita pelos colegas, foi exposta como fraudulenta. A Justiça tirou o diploma de Wakefield, considerando que ele agiu de má fé, no entanto, o artigo se espalhou e voltou a causar ceticismo na população em relação à imunização. Até hoje, Andrews é creditado pelo surto de sarampo na Inglaterra nos anos 1990. A doença era considerada erradicada no país. Até hoje, Wakefield é um importante militante do movimento antivacinas. Em 2016, ele dirigiu o documentário “Vaxxed”, que volta a relacionar a imunização com o autismo.
Quem são os Anti-Vaxxers de hoje?
Nos dias de hoje, é possível dizer que Wakefield é o principal “influenciador” do movimento antivacina nos Estados Unidos, país onde o grupo tem mais força. No entanto, além das pessoas que acreditam que vacinas causam autismo e/ou outras doenças, os anti-vaxxers ainda contam com religiosos fanáticos, veganos e conspiracionistas.
Navegando por grupos antivacina nas redes sociais, no entanto, é possível perceber que a desinformação é a grande responsável pela crença da maioria dos adeptos desse movimento. Na internet, eles citam o artigo fraudulento de Wakefield como única fonte científica e também compartilham informações falsas e até memes contra as vacinas. Além disso, os integrantes frequentemente trocam histórias sobre como sofrem preconceito do resto da sociedade.
“Meus pais me julgam por não ter vacinado meus três filhos e meu irmão sempre tenta discutir sobre isso. Eu não quero discutir sobre nada, sinto vontade de chorar”, escreveu a participante de um desses grupos no Facebook. “Se vacinas fossem saudáveis, você poderia colocar numa colher e comer. Tente e você morrerá”, filosofou outra.
A histeria também é uma característica latente do grupo. “Meu marido vacinou minha filha sem a minha permissão, eu posso mandar prendê-lo ou processá-lo?”, perguntou uma mulher. “Meu médico quer que eu imunize as crianças e pare de utilizar óleos naturais. É claro que não vou fazer nenhum dos dois”, gabou-se outra.
O perfil geral é bastante homogêneo: mães, norte-americanas, na faixa dos 30 anos, suburbanas, de classe média-alta, donas de casa ou vendedoras em empresas de marketing multinível.
Famosos Anti-Vaxxers
Celebridades de Hollywood também têm grande responsabilidade pela força do movimento antivacina nos Estados Unidos. A mais vocal é a atriz Jenny McCarthy, que afirma que seu filho, Evan, “contraiu” autismo por conta das vacinas. O famoso ator e comediante Jim Carrey, ex-companheiro de McCarthy e que foi padrasto de Evan, também milita contra as vacinas ao lado da ex.
A lista de famosos que se posicionaram publicamente contra as vacinas ainda conta com o comediante Charlie Sheen, as atrizes Alicia Silverstone e Selma Blair, a famosa ativista Erin Brockovich e o vencedor do Oscar Robert De Niro.
É claro que o atual presidente norte-americano, Donald Trump, não poderia ficar fora de mais essa polêmica. Em 2014, o hoje chefe de Estado relacionou vacinas com autismo em um tweet: “Uma criança saudável vai ao médico, leva uma injeção com muitas vacinas, não se sente bem e muda. AUTISMO. São muitos e muitos casos”, escreveu o republicano, que não fez nenhuma grande alteração no programa de imunização norte-americano desde que chegou à Casa Branca.
Debate sobre liberdade
Se quase todos os debates levantados pelos Anti-Vaxxers do século XXI são pautados por informações falsas, um ainda gera muita controvérsia mesmo fora da comunidade que não acredita nas vacinas: o da liberdade individual.
O argumento do movimento antivacina aprovado por grande parte da sociedade é o de que a vontade pessoal de cada pessoa ou dos pais deve ser soberana. Outros acreditam que a vacinação deve ser imposta pelo estado pelo bem da coletividade.
Nos Estados Unidos, muitas pessoas protestam contra a imunização obrigatória. Algumas delas não fazem parte de grupos antivacina, mas acreditam que os pais têm o direito constitucional de não imunizarem os filhos. Por lá, apenas três estados exigem a carteira de vacinação para que uma criança seja matricula numa escola pública: Califórnia, Virginia do Oeste e Mississippi. Nos demais, existem as chamadas restrições religiosas e/ou filosóficas.
No Brasil, é proibido por lei não imunizar as crianças por razões que não sejam médicas. A carteira da vacinação é obrigatória na hora de matricular os filhos nas escolas e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que pais que falham em vacinar os filhos podem levar multas ou ser processados por negligência e maus tratos.
Imunologista pediátrica com mais de 30 anos de carreira, a Dra. Delva Longhi acredita que o estado deve obrigar a imunização das crianças. “Muitas vezes, os pais nem têm conhecimento da importância da vacina. Outros não querem ou não podem perder um dia de trabalho para levar os filhos. Se não houver nenhuma exigência, nossos níveis de imunização vão cair muito”, explica a médica.
Anti-Vaxxers no Brasil?
Sobre o movimento antivacina no Brasil , a médica conta que o grupo ainda é tímido. “Entre meus pacientes, acho que não chega a 1%”, conta a imunologista, que também traça um perfil do grupo. “São sempre pessoas com boa condição financeira, aparentemente esclarecidas e muito influenciadas pela cultura dos Estados Unidos”, diz.
Ainda que de forma tímida, os Anti-Vaxxers vão deixando sua marca no País. De acordo com o Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, a vacinação de crianças menores de um ano teve seu menor índice de cobertura nos últimos 16 anos em 2018.
Hoje, o Brasil vive dois grandes surtos de sarampo: um em Roraima e um no Amazonas. Foram 10.274 casos confirmados em apenas um ano. No entanto, o Ministério de Saúde atribui a epidemia ao alto índice de imigração de venezuelanos para o País.
Os perigos de não imunizar
O debate sobre a vacinação vai além das liberdades individuais, uma vez que uma pessoa não imunizada pode representar riscos para os demais. “Pegando o exemplo de uma escola ou de um hospital, onde existem crianças de todas as idades. Um paciente de 5 anos que não está em dia com as vacinas pode contaminar uma criança mais nova que ainda não tem idade para determiandas vacinas”, explica a Dra. Longhi. “Isso pode ter consequências sérias para a saúde ou até mesmo causar a morte”, completa.
Sobre os efeitos colaterais, a médica admite que algumas vacinas podem causar mal-estar, mas diz que o “custo-benefício em se vacinar é muito maior”. O Ministério da Saúde, em seu site oficial, também fala sobre a importância da imunização. “Com respaldo técnico de equipes especializadas, o Ministério da Saúde garante que a vacinação é segura, sendo que seu resultado não se resume a evitar doenças. Vacinas salvam vidas”, diz o comunicado.
De olho no crescimento do movimento antivacina e outros grupos conspiracionistas, o Ministério da Saúde criou uma página apenas para desbancar notícias falsas espalhadas pelas redes socias. A iniciativa começou em agosto de 2018 e, apenas no primeiro mês, a pasta desmentiu seis fake news sobre imunização.
Para ler a matéria na íntegra, acesse: https://saude.ig.com.br/2019-01-13/movimento-antivacina-anti-vaxxers.html
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Para esclarecer todas as suas dúvidas sobre o assunto, conheça o livro:
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VACINAR, SIM OU NÃO?
Um guia fundamental
Autores: Monica Levi, Guido Carlos Levi, Gabriel Oselka
MG EDITORES
Desde o surgimento da primeira vacina, no fim do século XVIII, centenas de milhares de mortes foram evitadas e dezenas de moléstias, combatidas. Estima-se que, nos últimos dois séculos, as vacinas proporcionaram um aumento de cerca de 30 anos em nossa expectativa de vida.
Porém, nos últimos anos, um grande movimento internacional contra as vacinas tem chamado a atenção de pais, profissionais de saúde e educadores. Partindo de informações contraditórias e de dados sem comprovação científica, seus membros alegam ter o direito de escolher vacinar ou não os filhos. No entanto, essa decisão, que de início parece individual, tem consequências coletivas, fazendo por vezes ressurgir epidemias que se consideravam erradicadas.
Escrito por dois pediatras e um infectologista, todos com vasta experiência em imunização, este livro apresenta:
- um histórico do surgimento e da consolidação das vacinas;
- os benefícios da imunização para a saúde individual e coletiva;
- os mitos – pseudocientíficos e religiosos – associados a elas, como o de que a vacina tríplice viral provoca autismo;
- as respostas da ciência a esses mitos;
- as consequências da não vacinação para os indivíduos e a comunidade;
- as reações adversas esperadas e como agir caso isso aconteça;
- as implicações éticas e legais da vacinação compulsória.