Idealizador da Escola da Ponte, em Portugal, José Pacheco influenciou professores do mundo todo com a proposta educacional implantada no colégio a partir de 1976. 

Os colégios dos quais participa ou que aconselha não têm aulas, séries nem provas. As crianças escolhem projetos –fazer um robô, por exemplo– e aprendem os conteúdos curriculares a partir deles. No Brasil, onde Pacheco vive hoje, dezenas de escolas seguem seus princípios.

Na semana passada, ele foi a Brumadinho (MG) participar do seminário internacional de educação Experiências em Trânsito, promovido pelo Instituto Inhotim. Falou sobre sua resistência ao modelo tradicional de escola, que não consegue ensinar a todos, e contou suas experiências práticas.

Atualmente, integra o conselho consultivo do Projeto Âncora, escola pública de Cotia (SP), que segue os princípios da Ponte. O colégio português, que completou 40 anos na última quinta-feira (1º), obteve “muito bom” na mais recente avaliação externa oficial de Portugal. Esta é a segunda melhor nota da escala, que vai de “insuficiente” a “excelente”.

Leia a entrevista a seguir.

Folha – Por que o senhor diz que dar aula no século 21 é um “escândalo”?
José Pacheco –
Porque não se aprende nada numa aula. Não se prova nada em uma prova. Por que há aula? Por que são 50 minutos? Por que há turma? Por que há série? Ninguém sabe responder isso, e essa escola que está aí, igual à do século 19, produz ignorância e infelicidade.

Na Constituição, está escrito e consagrado o direito à educação. Na LDB, está escrito que é um direito de todos os brasileiros. As escolas dão esse direito? Não. Produz muitos milhões de analfabetos, muita ignorância, muita defasagem. Se a política educacional não garante o direito à educação, podem continuar com as mesmas práticas? Não. Estou a falar de ética. De direito. Se o modo como o professor trabalha não consegue ensinar tudo a todos, tem o direito de continuar desse modo?

Sem aulas e, portanto, sem uma ordem de conteúdos a seguir, como as escolas podem garantir os objetivos curriculares mínimos?
Nas nossas escolas não há objetivos mínimos. São objetivos máximos, que é toda a grade. Todas as crianças, jovens e adultos aprendem tudo que está na grade, ao contrário de outras escolas. Só que não tem um planejamento por ano, idade, série, ciclo porque isso não tem fundamento nenhum.

E quando nenhum projeto desenvolvido pelos alunos demanda, por exemplo, que aprendam a raiz quadrada. O professor tem que sugerir?
Sim, o currículo tem que ser cumprido. Mas aparecem as necessidades. Agora, quando eu digo que numa aula não se aprende nada, há professores que se levantam indignados e dizem que aprenderam tudo na aula. E eu pergunto: quem sabe fazer raiz quadrada? Ninguém sabe, e tiveram aula. Tiveram prova e não provaram nada.

Se eu perguntar qual é a forma para calcular o volume da esfera, é a mesma coisa. Nada se aprende numa aula, e isso é um tabu. É preciso que alguém diga aquilo que todo mundo já sabe.

O que acha da proposta para a Base Nacional Comum Curricular que está em discussão?
Quando a equipe que propõe a base nacional estabelece conteúdos por ano, com anos iniciais e anos finais, significa que vamos ter uma escola com anos iniciais e anos finais. Ou seja, uma escola cartesiana do século 19. Não é assunto sério. Educação é uma só. Por que se subdivide, onde está a fundamentação científica e pedagógica? Será que um médico trabalha com os recursos e as fundações teóricas do século 19? Não. O professor trabalha.

Como vê o uso de tecnologia na escola?
As novas tecnologias são incontornáveis. Nós autorizamos ao limite. Nas escolas onde eu trabalho, nós construímos plataformas digitais de aprendizagem. A criança trabalha também com o celular, o iPhone, laptop, tudo. Desde que haja acesso à informação no domínio virtual, vamos lá. Nós utilizamos tudo quanto é nova tecnologia, porém não damos um laptop para cada aluno.

Por quê?
Porque vamos criar monstrinhos de tela de computador, que não veem nada do lado, que estão a pastar conteúdo na internet sem saber o que estão a fazer. Nunca tantos instrumentos de comunicação nós tivemos e nunca tanta solidão existiu neste mundo.

Vi numa escola em Nova York cada aluno no seu laptop, e um professor lá na frente com a intranet. Ele vigiava tudo o que os alunos estavam a ver. Era um único conteúdo. Havia divisória entre cada criança. Não podiam ver o que o outro estava falando. As pessoas não percebem que estão a reforçar o individualismo, a condenar os outros à solidão?

Como é nas escolas onde o sr. trabalha?
As crianças têm acesso a tudo para procurar respostas às perguntas contidas nos roteiros de estudo que construímos com ela para concluir um projeto. Elas pegam o laptop e vão procurar.

Nós ensinamos a selecionar, analisar, criticar, comparar, avaliar, sintetizar, comunicar informação —processos de pensamento complexos que o professor mediador deve ensinar. E elas sabem analisar, criticar, comparar e vão produzir conhecimento. Não fazem cópia. E depois vão testar a recolha de dados junto com um professor. E aí acontece a passagem da informação para o conhecimento.

Porque colocar uma criança em contato com o laptop e a informação não conduz ao conhecimento. Ela vai copiar. E, depois, o conhecimento não é suficiente. Tem que pegar esse conhecimento e colocar numa ação. É assim que as crianças desenvolvem competências.
….

Matéria de Angela Pinho, publicada originalmente no jornal Folha de S. Paulo, em 06/09/2016. Para lê-la na íntegra, acesse: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/09/1810551-para-educador-portugues-modelo-escolar-do-sec-19-produz-ignorancia.shtml

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Se você tem interesse pelo assunto, conheça “De volta ao quintal mágico”, livro sobre a Te-Arte, escola que aplica a metodologia proposta por José Pacheco:
20017DE VOLTA AO QUINTAL MÁGICO
A educação infantil na Te-Arte
Autora: Dulcilia Schroeder Buitoni
Prefácio de José Pacheco
EDITORA ÁGORA

A conhecida escola da Tê, da educadora Thereza Soares Pagani, é o tema desta obra na visão de uma jornalista, mãe de ex-alunos. Este livro apresenta a metodologia da escola e o seu dia a dia. Mostra também a mudança para sede própria e a chegada de uma nova geração de cuidadores que atuam, cada um a seu modo, sob o olhar vigilante e as diretrizes de Therezita.

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