Quando foi chamada para fazer um livro sobre depressão, a Monja Coen Roshi, 69, tratou de escrever o mais rápido possível. Um dos principais nomes do budismo no Brasil, ela passou por duas depressões e percebeu que, ao mergulhar no assunto de novo, estava ficando para baixo. “Comecei a me sentir deprimida, não queria sair da cama. Aí terminei rapidinho”, conta, com um sorriso alegre, à repórter Letícia Mori.
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Nascida Cláudia Dias Baptista de Sousa, a brasileira conheceu o budismo em 1978, quando morava na Califórnia com o marido –um dos cinco que teve. Sua conversão foi imediata e anos depois ela foi ordenada no Japão. Nos anos 1990, tornou-se a primeira pessoa sem ascendência japonesa e a primeira mulher a ser presidente da Federação das Seitas Budistas do Brasil.
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Hoje é conhecida pela presença em eventos ecumênicos e pelo sucesso de seus vídeos na internet. Em época de crise, os convites para palestras em eventos e empresas tiveram um pico. “Me chamam porque as pessoas estão amedrontadas e não conseguem trabalhar”, diz.
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“Mas é claro! Estão com receio de perder o emprego, sem esperança de galgar uma posição melhor e sendo bombardeadas de notícias ruins o tempo. Aí aumenta a depressão, a síndrome do pânico”, diz ela, que vai lançar a obra “O Sofrimento é Opcional” nos próximos dias. Embora pouco retratadas no livro, suas experiências pessoais serviram de inspiração.
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Na primeira vez que teve depressão, aos 20 e poucos anos, ela chegou a tentar suicídio. Era jornalista. “Ficava muito perto da dor, dos problemas. Tinha um relacionamento amoroso complicado e a gente bebia muito. A vida era um drama profundo”, conta, suspirando e apertando os olhos. “Uma hora eu cansei e tomei um monte de remedinhos lá, mas não morri”, conta ela, que depois foi passar um tempo na Europa e chegou a ser presa por traficar LSD.
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Na última crise de depressão, anos depois de ter se convertido, o gatilho foi um problema com a comunidade japonesa tradicional no templo onde ela atuava, no bairro da Liberdade. “Fizemos um novo estatuto para brasileiros e mulheres poderem votar na eleição para a direção. Acharam que estávamos querendo tomar o templo.”
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“Foi um período difícil. Quando tinha folga eu só dormia. Eu pensava: essa realidade está feia, está ruim. Então não quero participar disso, quero fugir, quero sonhar. Foi um desencanto. Eu sentava para meditar e não conseguia ficar 5 minutos. Aquilo que seria um remédio, eu não conseguia tomar”, conta. “Grandes místicos cristãos também falam sobre isso: um momento na vida que a gente tem que atravessar esse grande deserto. Que você perde a crença, que você duvida de tudo.”
“Aí foram vindo certas forças. Um grupo de amigos me chamou para dar meditação. Ele me ajudou muito”, diz, apontando para a foto de um monge japonês na parede
–seu último marido, Shozan Murayama, que morreu há alguns anos. Foi depois desse episódio, quando tinha 50 e poucos anos, que ela montou o templo no Pacaembu –onde hoje recebe discípulos e mora com cinco cachorros.
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Um deles late ao fundo enquanto ela reflete: “Meu caso foi pontual, nem precisei tomar remédio. Mas às vezes é uma questão da mente, um desequilíbrio químico, e é preciso buscar ajuda profissional”, diz ela, reforçando que o budismo não substitui tratamento médico.
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Diz que é preciso cuidar para não chegarmos a esse ponto –aprendendo a lidar com o sofrimento. Critica a mídia por “mostrar sempre só o lado ruim da realidade”. “Os mentirosos, os ladrões e a sujeira têm muita visibilidade. E esquecemos as coisas boas. Não tem um país no mundo onde há políticos honestos? Soluções inteligentes para os problemas? O que podemos aprender com tudo isso?”
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“Se não vemos isso, só o que fica é essa sensação de impotência, essa desesperança. E aquela pessoa que achou dinheiro e devolveu? E a que ajudou quem tinha necessidade? Parece tão sem importância, mas nos lembra que a gente pode ser bom, pode se unir e cooperar. Porque, como diz o [teólogo] Leonardo Boff, ou nós ganhamos todos juntos, ou perdemos todos juntos.”
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“Olha essas brincadeiras lúdicas, engraçadas”, diz, se referindo aos memes e piadas na internet sobre a gravação em que o presidente Michel Temer fala de propina. “Diz aqui: para que vou ver Netflix? A ficção não consegue competir com a realidade”, lê, rindo. “São leves. Nos ajudam a lidar com a indignação.”
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Diz que os “mentirosos e ladrões” precisam responder na Justiça, mas que ficar com raiva não vai resolver. E conta uma parábola: “Buda encontrou um monge que tinha sido torturado e perguntou o que foi pior: o frio, as dores, o desespero, a escuridão? O monge respondeu: ‘o pior foi que, por um instante, quase deixei de sentir compaixão pelos meus torturadores'”.
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“Não é fácil sentir compaixão, pena, da miséria espiritual dessas pessoas. Mas bom não é aquele que está julgando, pedindo vingança, ou que está delatando. Quem assumiu dizendo que é o salvador da pátria também está envolvido com as mesmas coisas.”
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“O único jeito de acabar com essa violência é se ela for compensada com a não-violência. Tem gente escolhendo um vilão e querendo matá-lo. Que horror! A mudança só vai vir se cada um de nós aprender a viver coerentemente com nosso princípios éticos. Quando eu me transformo para o bem, eu transformo a sociedade.”
Publicado na Folha de S. Paulo, em 22/05/2017. Para acessar na íntegra: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2017/05/1885736-piadas-e-memes-ajudam-a-sobreviver-a-crise-politica-diz-lider-budista.shtml
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Conheça toda a trajetória de Monja Coen com o livro:
MONJA COEN
A mulher nos jardins de Buda
Autora: Neusa C. Steiner
MESCLA EDITORIAL
Neste livro, história e ficção se misturam para contar a trajetória da Monja Coen, primaz fundadora da comunidade Zen Budista do Brasil. Como muitos jovens da geração baby boom – os nascidos no pós-guerra –, buscou independência e liberdade, viveu seu tempo, carregou sonhos e utopias e fez sua escolha. Esta história interessa a todos que carregam um quê de inconformismo e uma vontade de soltar as amarras.