Um olhar otimista sobre o futuro da comunidade LGBTQIA+
.
Passado, presente e futuro: estas são as divisões do tempo que carregam consigo muitas histórias — e, junto a elas, muita luta. No mês do orgulho LGBTQIA+, conversamos com Klecius Borges, psicólogo formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), autor dos livros Muito além do arco-íris e Terapia afirmativa (ambos publicados pela Edições GLS), que vem se dedicando ao atendimento psicológico de LGBTs e seus familiares de acordo com a visão afirmativa. No intuito de mostrar uma visão otimista sobre o futuro da comunidade LGBTQIA+, esta matéria transitará entre o passado, o presente e o futuro, para assim construir uma linha temporal das evoluções que tivemos, como sociedade, nos últimos anos.
Antes de tudo, Klecius Borges nos apresenta o que é a visão afirmativa, tão importante na psicologia: “A visão afirmativa pressupõe uma abordagem clínica baseada na compreensão das diferentes orientações sexuais e de gênero como expressões naturais e saudáveis da sexualidade humana. Ela parte do princípio de que não há nada intrinsicamente problemático nessas expressões, e que o maior sofrimento que a comunidade LGBTQIA+ enfrenta na vida é decorrente da opressão social e da homotransfobia que experimenta. Os psicoterapeutas que praticam essa abordagem, além de ter uma atitude aberta, sem quaisquer julgamentos e não patologizante, devem ter também um profundo conhecimento sobre as culturas, os estilos de vida e os valores dos diferentes grupos que compõem o universo LGBTQIA+”, explica o autor, mostrando que a abordagem está ligada a um tratamento sem rotulações e livre de preconceitos.
Conforme o tempo foi passando, graças à tecnologia, as pessoas passaram a ter mais acesso à informação. Antigamente, era quase impossível ver discursões sobre gênero, e a questão da identidade sexual era algo velado e abordado de modo restrito, seja pelo medo do preconceito, seja pelo tabu cultural imposto pela sociedade da época. Hoje, essas questões chegam a mais pessoas muito mais rápido, graças à possibilidade da difusão de ideias por meio de redes sociais, congressos, feiras e paradas do orgulho, e do próprio boca a boca promovidos pela comunidade. “A realidade para pessoas LGBTQIA+ mudou muito nestes últimos tempos”, afirma o psicológico. Ele complementa: “Embora, para muitos, assumir-se LGBTQIA+ ainda possa ser muito difícil — por razões sociais, culturais, religiosas e econômicas —, para a maioria, a internet e as redes sociais, ao permitir mais visibilidade e conexão entre os indivíduos, contribuíram significativamente para o aumento do grau de tolerância e aceitação social. Como consequência desse fenômeno social, tanto os indivíduos como seus familiares têm, de forma geral, aceitado suas identidades com menos conflito e sofrimento”. O psicólogo conta que, nos últimos anos, sua clínica também precisou passar por adaptações pelo fato de as pessoas terem mais acesso às informações: “A minha clínica, que era predominantemente voltada para as questões relativas a autoaceitação, aceitação social, preconceitos e homofobia, tornou-se gradativamente uma clínica na qual os indivíduos, já com uma identidade bem estabelecida, tratam das questões humanas mais gerais e de acordo com a perspectiva não heteronormativa”.
Em 2002, Borges deu uma entrevista para a revista Exame, em uma matéria polêmica com a seguinte chamada: “Chefe, eu sou gay”, e uma de suas falas chama a atenção: “O que ocorre nas empresas é um disfarce: eu não falo e os outros não perguntam”. Questionado sobre se, nos últimos anos, essa ideia de reprimir a sexualidade para caber no ambiente corporativo mudou, o autor comenta: “A situação nas empresas mudou bastante, embora não de forma igual em todos os segmentos. As grandes corporações internacionais saíram na frente, seguindo a orientação de suas matrizes, e começaram a desenvolver programas de diversidade e inclusão. Gradativamente, empresas e instituições brasileiras também implementaram iniciativas dessa natureza e passaram a tratar essas questões de uma forma mais sistemática”. Sobre a possibilidade de conquistar novos espaços dentro do mundo corporativo, que antes dificilmente eram alcançados, Borges diz: “Como consequência dessa mudança, o ambiente do trabalho, de forma geral, ficou mais aberto, inclusivo e, portanto, menos ameaçador para indivíduos LGBTI+. Mas, infelizmente, essa realidade ainda não é para todos e tende a ser mais difícil em relação à diversidade de gênero”.
Um dos pontos que mais pede um olhar atento quando se fala de orientação sexual e identidade de gênero é a questão da parentalidade, e, para essa, sempre foi necessário esperar e pedir por mudanças, devido a todo o preconceito vindo daqueles que estão lado ao lado desde o nascimento e que, no primeiro momento, caracterizam o gênero. Quando perguntado se houve avanços sobre essa questão, o psicólogo respondeu: “Houve muitos avanços, inclusive no campo jurídico, com a permissão do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da adoção. Algumas escolas mais progressistas também lideraram esse processo, investindo em educação e acompanhamento social e psicológico. Foram criadas políticas públicas e há hoje, de forma geral, maior aceitação das famílias não tradicionais, incluindo as famílias homoafetivas. Mas é sempre bom lembrar que o Brasil é um país muito desigual e que, portanto, essa realidade não se apresenta de forma uniforme nas diversas regiões e extratos socioeconômicos”.
Sendo assim, podemos ver que, mesmo lentamente, a comunidade LGBTQIA+ do Brasil vem conquistando melhorias. Às vezes os avanços podem parecer pequenos, mas, em comparação com outros países onde o simples fato de existir divergindo do normativo é crime, temos uma comunidade forte, que vive reivindicando seus diretos. Do cinema aos livros, todas as siglas vêm sendo representadas. Corpos diferentes, identidades diferentes, gêneros diferentes, mas, no final, todo mundo tem algo em comum: somos pessoas e merecemos respeito.
Conheça as obras do autor:
Muito além do arco-íris
Amor, sexo e relacionamentos na terapia homoafetiva
R$47,10Gays, lésbicas e bissexuais não costumam encontrar referências ou representações sobre a natureza de seus relacionamentos. Questões como autoaceitação, visibilidade social, homofobia e preconceito são comuns na clínica homoafetiva. Escrito por um especialista em terapia afirmativa, este livro apresenta uma seleção de casos nos quais esses problemas foram tratados de uma perspectiva não heteronormativa.
Terapia afirmativa
Uma introdução à psicologia e à psicoterapia dirigida a gays, lésbicas e bissexuais
R$47,10Para a psicologia afirmativa – base teórica do trabalho do autor –, a homofobia, e não a homossexualidade, é a principal responsável pelos conflitos vivenciados por homossexuais. Por isso, os psicoterapeutas que adotam a abordagem afirmativa oferecem a seus pacientes absoluto respeito por sua sexualidade, cultura e estilo de vida. Para gays, psicólogos e todos os que querem se instrumentalizar para combater o preconceito.