…………………………………..Matéria de Paula Ferreira e Clarissa Pains, publicada no jornal O Globo, em 19/08/2018
Especialistas afirmam que instituições de ensino devem se preparar para auxiliar alunos
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RIO – No dia 14 de junho do ano passado, a rotina de uma família americana do estado de Nova Jersey foi interrompida bruscamente por uma tragédia. Aos 12 anos, a adolescente Mallory Grossman pôs fim à própria vida após ser vítima de bullying. Cerca de um ano depois do suicídio da jovem, seus pais decidiram mover uma ação judicial contra a Escola de Ensino Fundamental Copeland, por ter negligenciado seus alertas e não ter evitado a prática de bullying por parte dos colegas. A medida abriu uma discussão a respeito da responsabilidade das escolas no zelo pelo bem estar emocional e mental de seus alunos.
— Os sistemas escolares são 100% responsáveis pelo aprendizado emocional e acadêmico. Nós, pais, somos obrigados a mandar nossos filhos para a escola, temos direito a um ambiente de aprendizagem seguro e protegido. Eles precisam ser responsabilizados financeiramente pelo papel que desempenharam na morte de Mallory. Quando as escolas aprenderem que estão sob risco de serem processadas, começarão a implementar sistemas para proteger nossos filhos — disse Dianne Grossman, mãe de Mallory, em entrevista ao GLOBO.
A pressão por resultados exercida por muitas escolas acaba depositando uma carga de estresse nos estudantes, o que também pode ser prejudicial. No Brasil, a discussão ganhou força com relatos de casos trágicos desde o final de 2017, quando um estudante de 14 anos que seria vítima de bullying abriu fogo contra seus colegas em uma escola em Goiânia. Em abril deste ano, o suicídio de dois estudantes do Colégio Bandeirantes, um dos mais tradicionais de São Paulo, rendeu novos questionamentos sobre o papel das instituições de ensino nesses casos.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que o suicídio é a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em todo o mundo. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, entre 2011 e 2015 — últimos dados disponíveis —, a taxa de mortalidade de pessoas de 5 a 19 anos por suicídio foi de 1,7 a cada 100 mil habitantes. Em relação às tentativas de suicídio, o Sistema de Informação de Agravos e Notificação (Sinan) registrou 10.583 casos entre 2011 e 2016 cometidos por pessoas de 10 a 19 anos.
O pai de um estudante brasileiro de 16 anos que cometeu suicídio e pediu para não ser identificado defende maior atenção das escolas, mas diz que é errado eleger um “culpado”.
— A escola tem um papel fundamental, essas crianças passam até seis horas por dia lá dentro. É preciso ter um olhar cuidadoso. Meu filho reclamava de a escola ser puxada, de não olhar para o ser humano e dar sentido às provas que são feitas. Eu acho que isso fez parte do caldeirão de emoções que ele estava sentindo, mas não sei se foi algo definitivo. É um somatório de fatores. Eu tenho a dizer para os pais que prestem mais atenção, mas não tentem imputar isso à escola ou a outro ator. O problema é com o indivíduo .
A gravidade da questão entra aos poucos no radar das instituições de ensino. Pesquisadora da Unesp e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), que trabalha na prevenção ao bullying e no acolhimento de jovens, Luciene Tognetta afirma que quem mais recorre ao grupo não são as escolas, mas sim os pais de crianças e adolescentes. Criado em 2005, o Gepem treinou 15 instituições no estado de São Paulo, incluindo o Colégio Bandeirantes, para lidar com o apoio a jovens em situação emocional vulnerável.
— Existem casos em que o colégio assume para si uma responsabilidade, que não lhe cabe sozinho, mas que lhe cabe também. Ainda há no Brasil, no entanto, muitas escolas que não sabem o que fazer e optam por negligenciar esse tipo de problema ou silenciá-lo — diz ela.
A voluntária do Centro de Valorização da Vida (CVV) Patrícia Fanteza conta que, desde que os casos de suicídio de estudantes começaram a chamar mais atenção, ao longo do último ano, a procura de escolas por palestras aumentou.
— Muitos colégios perceberam que não podem mais fingir que isso não acontece — comenta. — O que eu mais ouço dos educadores é que eles conseguem ver quando existe algo errado com o aluno, mas não sabem como agir. Em muitos casos, acham a situação pode piorar se tocarem no assunto, então fingem que nada está acontecendo e torcem para que o jovem melhore sozinho. Para cada suicídio que ocorre, estima-se que haja pelo menos 20 tentativas. Não é pouca coisa.
HABILIDADES EMOCIONAIS
Especialista em suicídios e membro da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps), Carlos Aragão Neto destaca que, no caso de jovens em idade escolar, os maiores fatores de risco para o suicídio são bullying, ciberbullying e ambiente de extrema pressão acadêmica. Aragão ressalta, porém, que nenhum suicídio é causado por apenas um aspecto.
— A grande característica do suicídio é ser multifatorial. Sem dúvida, o excesso de rigor em um colégio pode ser um fator de risco, e pode até ser um fator que chamamos de precipitante, que é a gota d’água. Mas, quando investigamos a fundo, vemos que houve uma longa história por trás daquele ato final (o suicídio). Nunca é um fator isolado, por isso acho grave apontar o dedo para uma instituição de ensino quando um suicídio acontece.
Mas, afinal, o que as escolas podem fazer? Para ele, é urgente inserir na matriz escolar métodos que desenvolvam habilidades sociais e emocionais, para que as crianças cresçam com mais resiliência para lidar com frustrações.
No Colégio Bandeirantes, após os dois suicídios do primeiro semestre, um grupo de alunos do ensino médio criou espontaneamente um grupo para acolher alunos com dificuldades. Eles participaram de treinamentos oferecidos pelo Gepem e se intitulam Comissão de Apoio Racional e Emocional (Care).
— Com o que aconteceu em abril, tivemos que contratar uma profissional em suicídio para que ela fizesse um trabalho que chama de posvenção, acolhendo os pais. Quanto à prevenção, já havíamos inserido aspectos de desenvolvimento emocional no colégio— conta Estela Zanini, coordenadora do programa do convivência do Colégio Bandeirantes.
Responsável pelo trabalho de posvenção no Bandeirantes, a psicóloga e pós-doutora pelo Instituto de Psicologia da USP, Karina Okajima Fukumitsu, diz que é preciso estabelecer uma relação de confiança entre escola e família:
— Cabe à escola orientar e informar aos pais quando houver uma mudança abrupta de comportamento. É necessário um pacto entre a escola e a família. A família, por sua vez, deve informar a escola caso o jovem tenha transtorno mental ou histórico de tentativas prévias de suicídio. É uma parceria.
Para ler a matéria na íntegra, acesse (restrito a assinantes e cadastrados):: https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/suicidios-de-estudantes-acendem-alerta-em-escolas-22990397
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A psicóloga Karina Okajima Fukumitsu é organizadora e uma das coautoras do livro recém-lançado pela Summus, Vida morte e luto – Atualidades brasileiras. Conheça a obra:
VIDA, MORTE E LUTO
Atualidades brasileiras
Organizadora: Karina Okajima Fukumitsu
Autores: Leo Pessini, Ana Catarina Tavares Loureiro, Avimar Ferreira Junior, Daniel Neves Forte, Daniela Achette, Elaine Gomes dos Reis Alves, Elaine Marques Hojaij, Elvira Maria Ventura Filipe, Emi Shimma, Fernanda Cristina Marquetti, Gabriela Casellato, Gilberto Safra, Gláucia Rezende Tavares, Karina Okajima Fukumitsu, Teresa Vera Gouvea, Marcello Ferretti Fanelli, Marcos Emanoel Pereira, Maria Carlota de Rezende Coelho, Maria Helena Pereira Franco, Maria Julia Kovács, Maria Luiza Faria Nassar de Oliveira, Mayra Luciana Gagliani, Monja Coen Roshi , Monja Heishin , Nely Aparecida Guernelli Nucci, Patrícia Carvalho Moreira, Pedro Morales Tolentino Leite, Protásio Lemos da Luz
Esta obra visa apresentar os principais cuidados e o manejo em situações-limite de adoecimento, suicídio e processo de luto, bem como reitera a visão de que, toda vez que falamos sobre a morte, precisamos também falar sobre a vida. Escrito por profissionais da saúde, este livro multidisciplinar atualiza os estudos sobre a morte, o morrer, a dor e o luto no Brasil. Destinado a psicólogos, médicos, assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais etc., aborda temas como: espiritualidade, finitude humana, medicina e cuidados paliativos; cuidados e intervenções para pacientes cardíacos, oncológicos e portadores de doença renal crônica; intervenção na crise suicida; pesquisas e práticas sobre luto no Brasil e no exterior; luto não autorizado; as redes de apoio aos enlutados; a tanatologia na pós-graduação.