……………………………………..Matéria de Reynaldo Turollo Jr. e Natália Cancian, publicada originalmente na Folha de S. Paulo, em 12/09/2018
Para a maioria dos ministros, é preciso que o Congresso regulamente antes essa modalidade
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, nesta quarta-feira (12), que o ensino domiciliar, dado em casa, não pode ser considerado um meio lícito para que pais garantam aos filhos o acesso à educação, devido à falta de uma lei que o regulamente.
Somente o relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela legalidade do ensino domiciliar, conhecido como “homeschooling”, desde que submetido a condições que ele propôs fixar até que o Congresso legislasse sobre o tema.
Alexandre de Moraes abriu a divergência e foi acompanhado por sete ministros: Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Eles consideraram que, para que a opção pelo ensino em casa fosse válida, teria de estar prevista em lei.
Desse grupo, Fux e Lewandowski foram além: para eles, o “homeschooling” seria inconstitucional mesmo que houvesse lei para regulamentá-lo. Já Edson Fachin divergiu parcialmente, e propôs dar um ano para o Congresso legislar sobre o assunto, mas foi vencido. Celso de Mello não participou da sessão.
A discussão no Supremo teve origem em uma ação que opôs o município de Canela, no Rio Grande do Sul, a pais que queriam educar a filha em casa. A família foi à Justiça após a Secretaria de Educação do município negar um pedido para que a menina, à época com 11 anos, tivesse aulas em casa.
Decisões nas instâncias inferiores foram contrárias ao ensino domiciliar, o que levou os pais a recorrerem ao Supremo em 2015. A corte reconheceu a repercussão geral do recurso, o que significa que o resultado do julgamento passa a valer para processos semelhantes em todo o país.
Desde novembro de 2016, todas as ações judiciais sobre educação domiciliar no país estão suspensas por determinação de Barroso. Agora, deverão ter desfecho desfavorável aos pais.
Em seu voto, proferido na última quinta (6), Barroso considerou que essa modalidade de ensino teria de atender a algumas condições. Por sua proposta, os pais teriam de notificar as secretarias municipais de Educação para que houvesse um cadastro das crianças que estudam em casa. E elas deveriam ser submetidas às mesmas avaliações a que se submetem os alunos de escolas públicas ou privadas.
Barroso disse, em resposta à Procuradoria-Geral da República, contrária ao recurso, que reconhecia a importância da escola na socialização, mas sustentou que crianças que estudam em casa não vivem apartadas do mundo —podem socializar no clube ou na igreja, por exemplo.
Além disso, segundo ele, pesquisas empíricas feitas em países onde a prática é comum não detectaram deficiência na formação delas.
Os colegas que sucederam o relator, porém, entenderam que não cabe ao Judiciário criar tal regulamentação, de alçada do Legislativo. “Nós teríamos que alocar professores para cuidar do ‘homeschooling’ quando faltam professores para as escolas. Isso não teria que ser uma decisão nossa [do Judiciário]”, disse Gilmar.
“A importação de experiências estrangeiras, distantes a mais não poder da realidade nacional, ao arrepio da legislação em pleno vigor, contradiz todo o esforço empreendido pela sociedade brasileira na busca progressiva pelo acesso à educação formal no país”, afirmou Marco Aurélio.
Lewandowski destacou a importância da escola para a convivência com a diversidade. “Quando se formam bolhas nas quais ecoam as mesmas ideias, o que é comum nas redes sociais, o entendimento mútuo se torna cada vez mais difícil, contribuindo para a fragmentação da sociedade, para a polarização e para o extremismo”, disse.
Favorável ao “homeschooling”, a Aned (Associação Nacional de Ensino Domiciliar) calcula que existam cerca de 60 processos sobre o tema em tribunais do país.
Uma estimativa da entidade feita com base em associados e processos aponta que cerca de 7.500 famílias adotam atualmente o modelo de ensino em casa. Em 2011, esse número era de 360. O tema, porém, gera polêmica e divide educadores.
O artigo 6º da lei de diretrizes e bases, que regula a educação, afirma que “é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos quatro anos de idade”.
Já o artigo 205 da Constituição aponta que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”.
Os pais da menina que foram ao STF sustentaram no recurso que restringir a educação à instrução formal nas escolas equivale a ignorar as formas variadas de aprendizado, “além de significar uma afronta a um considerável número de garantias constitucionais”.
“Não somos anti-escola nem queremos o fim da escola. Queremos o direito da família”, diz Ricardo Dias, presidente da Aned, adepto do chamado “homeschooling” junto aos dois filhos há oito anos.
Segundo ele, entre os motivos que levam pais a aderirem ao ensino domiciliar estão a insatisfação com o ambiente escolar, devido a casos de bullying e a pressões sociais “inadequadas”, e a busca por educação personalizada e adaptada ao ritmo de aprendizado da criança.
ENTENDA O QUE É EDUCAÇÃO DOMICILIAR
O que é a educação domiciliar, ou ‘homeschooling’? É um modelo de ensino em que a educação das crianças e adolescentes acontece em casa, e não na escola. Geralmente, são os pais que assumem o papel de educá-los, mas pode haver professores particulares. É relativamente comum nos EUA, mas não é regulamentado no Brasil
Nesse modelo, a criança não estuda? As crianças estudam e têm aulas, mas em casa. Os pais podem decidir os horários, regras, conteúdos e sistemas de avaliação, por exemplo
O que decidiu o Supremo? Os ministros decidiram que a educação domiciliar não pode ser considerada legal. Os pais, portanto, devem matricular os filhos em escolas. Apenas o relator do processo, Luís Roberto Barroso, votou pela legalidade da educação domiciliar
Como surgiu a ação? O processo surgiu a partir de um mandado de segurança impetrado pelos pais de uma menina de 11 anos. Moradores de Canela, no interior do RS, eles queriam educá-la em casa. Em 2013, o casal fez a solicitação à Secretaria Municipal de Educação, que negou o pedido e recomendou que a garota fosse matriculada na rede regular de ensino. O recurso julgado no STF questionava as decisões da comarca de Canela e do TJ-RS, que haviam considerado válida a recomendação da secretaria
Quais os motivos que levam os pais a querer tirar os filhos da escola? Há diferentes razões. Alguns citam bullying sofrido pelas crianças, má qualidade do ensino ou medo da violência e presença de drogas nas escolas. Outros dizem que querem educar seus filhos de acordo com seus próprios valores morais e/ou religiosos, o que seria prejudicado pela educação tradicional
O que diz a lei? Não há uma lei que mencione especificamente o tema. O artigo 6º da Lei de Diretrizes e Bases, que regula a educação, afirma que “é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos quatro anos de idade”. Já o artigo 205 da Constituição aponta que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”
O que dizem os defensores da educação domiciliar? A Associação Nacional de Educação Domiciliar defende que cada família tem direito a escolher como educar seus filhos. Outros pontos citados são a liberdade para estabelecer rotinas de ensino e a ampliação da convivência familiar
E o que dizem os críticos? Pedagogos afirmam que a educação domiciliar ignora outras funções da escola, como a socialização das crianças e o convívio com as diferenças. Também dizem que o ensino em casa priva o aluno do contato com outras visões de mundo e correntes de pensamento além daquelas que a família segue, o que seria prejudicial
Para acessar na íntegra (para assinantes ou cadastrados):
https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/09/supremo-considera-ilegal-a-opcao-pelo-ensino-domiciliar-fora-da-escola.shtml
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Tem interesse pelo assunto? Conheça:
EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO-FORMAL: PONTOS E CONTRAPONTOS
Organizadora: Valéria Amorim Arantes
Autores: Jaume Trilla, Elie Ghanem
SUMMUS EDITORIAL
Neste livro, os autores discorrem sobre os diferentes aspectos que contemplam essas duas perspectivas das práticas educativas, analisando seu aspecto histórico, social e político. Os pontos e contrapontos tecidos no diálogo estabelecido por Ghanem e Trilla sinalizam a importância da cooperação e da complementariedade entre a educação formal e a não formal, na busca de uma educação mais justa e mais democrática.